Polarização extrema marca eleição no Chile; segurança e imigração eclipsam saúde e educação
Publicado em:
Os chilenos vão às urnas no domingo (16) divididos entre opções políticas extremas e mobilizados por campanhas radicais que impulsionam o voto pelo medo: uma candidata comunista rivaliza com dois da extrema-direita, que defendem o legado do ex-ditador Augusto Pinochet. Educação e saúde gratuitas ficaram de fora dos debates, diante de preocupações como segurança contra o crime organizado e controle da imigração, duas bandeiras que favorecem a direita.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
No próximo domingo, quando mais de 15 milhões de chilenos forem às urnas, o Estado de direito democrático poderia estar em jogo no país. Esta é a disputa mais extrema da história democrática do Chile. Os chilenos pedem “lei e ordem”, “linha dura” contra o crime e os imigrantes ilegais, se mostrando dispostos até mesmo a sacrificar parte dos direitos humanos adquiridos há menos de quatro décadas, desde o fim da ditadura militar.
Além de presidente, o país vai renovar a totalidade da Câmara de Deputados e a metade do Senado.
Nestas eleições, retorna o voto obrigatório, depois de 13 anos de opção voluntária e, pela primeira vez na história do Chile, todos os maiores de idade estão registrados para votar.
Antes de 2012, o voto era obrigatório apenas para aqueles que estavam cadastrados. Isso abre um cenário ainda mais incerto porque muita gente não está habituada a votar e não se sabe o impacto desses novos eleitores numa disputa tão acirrada entre candidatos extremistas.
Além disso, cerca de 900 mil estrangeiros, cerca de 5% da população, participam do pleito, e os imigrantes estão no centro do debate político.
Disputa entre extremos
No total, há oito candidatos, a maior quantidade em uma eleição. Apenas quatro aparecem com chances, segundo as pesquisas de opinião.
De um lado, pela primeira vez na história, uma candidata comunista representa toda a centro-esquerda. Jeannette Jara, de 51 anos, ex-ministra do Trabalho do atual governo, tem a difícil missão de superar os 30% de eleitores que apoiam o atual presidente Gabriel Boric.
Do outro lado, três candidatos de direita – um mais extremo do que o outro – de origem alemã, que inclusive se cumprimentam em alemão.
O que mais aparece nas pesquisas com chances de vitória é José Antonio Kast, de 59 anos, na sua terceira tentativa de chegar à Presidência. Kast é um fervoroso católico da extrema-direita, mas, desta vez, tem adotado um estilo moderado para conseguir votos. Não é que tenha mudado suas convicções contra o aborto ou contra o casamento homossexual, apenas evita os temas, preferindo defender uma política de linha dura contra a delinquência.
Em terceiro lugar, aparece Johannes Kaiser, de 49 anos, um “outsider” que se posiciona mais à extrema-direita do que Kast. Além de “linha dura”, prometendo colocar as Forças Armadas nas ruas, levanta as bandeiras de valores conservadores e quer limitar as liberdades pessoais em nome do combate ao crime.
Kaiser fundou o Partido Nacional Libertário, inspirado no presidente argentino Javier Milei. Ele promete retirar o Chile da ONU, do Acordo de Paris e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
No quarto lugar está Evelyn Matthei, de 72 anos, representante da direita tradicional, ex-ministra do Trabalho do ex-presidente Sebastián Piñera.
Corrida acirrada
No Chile, as pesquisas de intenção só podem ser divulgadas até duas semanas antes das eleições. Por isso, as medições não detectam os movimentos dos últimos dez dias, quando muitos decidem o voto.
Segundo os resultados do começo do mês, a disputa entre os três representantes da direita é acirrada, mas a tendência é de uma vantagem para Kast. A candidata comunista Jeannette Jara lidera com cerca de 30% dos votos na maioria das pesquisas, o que a levaria a ganhar no domingo, mas não poderia evitar o segundo turno.
O seu adversário provavelmente será Kast, com cerca de 20% dos votos. Mas Kaiser, tem apenas cerca de quatro pontos a menos e vinha crescendo nas pesquisas, podendo ser uma surpresa. Matthei também vinha bem colocada, mas ligeiramente atrás de Kaiser num empate técnico. Cerca de 20% de indecisos, no entanto, deixam a disputa aberta.
A soma de todos os candidatos de direita supera os 50%, indicando que, aquele que passar ao segundo turno, poderia ganhar as eleições. A única exceção poderia acontecer se o mais extremista de todos, Johannes Kaiser, passar. Nesse caso, a comunista Jeannette Jara poderia ser beneficiada.

Demandas de urgência
Durante onze anos, entre 2011 e 2022, as principais demandas dos chilenos foram educação e saúde gratuitas, além de um sistema previdenciário público.
Fracassadas as tentativas de uma nova Constituição que substituísse a do ex-ditador Augusto Pinochet, que consolidou as desigualdades no país, os chilenos deixaram de exigir um Estado voltado para o bem-estar. Eles agora pedem que se controle a chegada de imigrantes, especialmente venezuelanos, que acreditam estar relacionada com a saturação dos serviços públicos e associada ao aumento dos delitos, especialmente roubos, sequestros, extorsões e do crime organizado.
Os candidatos de extrema direita prometem mais “linha dura” e ganham terreno. No último debate presidencial na segunda-feira (10), Kast prometeu “bala ou prisão”. Matthei reforçou a ideia com o compromisso de “prisão ou cemitério” para quem cometesse crimes. Já Kaiser anunciou “militares nas ruas”.
O Chile tem cerca de 1,8 milhão de estrangeiros, a metade venezuelanos. Cerca de 330 mil são ilegais.
Os candidatos prometem expulsar os ilegais, abrir centros de detenção e até cercar ou cavar uma vala na fronteira com a Bolívia e com o Peru, por onde entram os venezuelanos.
Nos últimos 10 anos, a taxa de homicídios no Chile mais do duplicou, passando de 2,5 a 6,7 por cada 100 mil habitantes, mas continua abaixo da média da América Latina, que é de 15 homicídios para cada 100 mil.
Segundo as principais consultorias do país, o que mais preocupa os chilenos é, em primeiro lugar, a segurança, bem a frente de outros temas como imigração e a corrupção, que ocupam respectivamente segundo e terceiro lugares. Logo após estão temas como desemprego e inflação. Saúde e educação, antes prioridades, agora vêm bem atrás.
Ditadura de Pinochet reivindicada
Até as eleições passadas, os candidatos de direita se referiam apenas ao modelo da economia neoliberal de Augusto Pinochet (1973-1990). Agora, o governo do ditador é reivindicado em toda a sua dimensão pelos candidatos de direita, que exaltam abertamente “a lei e a ordem” da ditadura e diminuem a importância dos direitos humanos.
Kaiser disse que, se o país estivesse nas mesmas condições políticas de 52 anos atrás, ele apoiaria um novo golpe de Estado.
Evelyn, filha de Fernando Matthei, um dos integrantes da junta de governo militar de Pinochet, disse que o golpe era inevitável ou o Chile se tornaria Cuba. Kast disse que, se Pinochet estivesse vivo, votaria em Kast.
E se o golpe de Pinochet em 1973 foi financiado pela CIA, agora Donald Trump espera poder somar mais um aliado ideológico na região.
NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.
Me registro