Linha Direta

Chile: Jeannette Jara e José Antonio Kast vão ao 2° turno da eleição presidencial

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Jeannette Jara, candidata comunista, e José Antonio Kast, líder de extrema direita, disputarão a Presidência do Chile no segundo turno marcado para 14 de dezembro. A votação foi equilibrada, contrariando as previsões das pesquisas. Nas próximas semanas, o cenário tende a favorecer Kast: ao somar os votos dos candidatos de direita que já declararam apoio, ele ultrapassa a marca de 50%.

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Com 26,85% dos votos, a comunista Jeannette Jara venceu o 1° turno da eleição presidencial no Chile.
Com 26,85% dos votos, a comunista Jeannette Jara venceu o 1° turno da eleição presidencial no Chile. AP - Natacha Pisarenko
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

A comunista Jeannette Jara, de 51 anos, e o extremista de direita José Antonio Kast, de 59 anos, vão disputar o segundo turno, sem que isso represente uma surpresa, mas as pesquisas não previram que a diferença entre os dois fosse de apenas 2,93 pontos, fazendo do segundo colocado o maior vitorioso do pleito.

A coalizão de centro-esquerda de Jeannette Jara pretendia chegar a, pelo menos, 30%. Essa é a atual popularidade do presidente Gabriel Boric que, por lógica, deveria se refletir na candidata governista. No entanto, o resultado demonstrou que até mesmo no espectro da esquerda existe resistência em apoiar uma candidata comunista.

Os 30% também eram importantes como uma base necessária para Jeannette Jara chegar a uma maioria no segundo turno.

A verdade revelada pelas urnas, porém, foi de 26,85% para Jeannette Jara e 23,92% para José Antonio Kast, pouco mais do que 340 mil votos de diferença.

A segunda surpresa da noite foi o terceiro colocado, Franco Parisi, considerado um “outsider”, antissistema, sem uma estrutura partidária. Parisi ficou com 19,7% dos votos. Nenhuma pesquisa detectou esse desempenho.

A extrema-direita de Johannes Kaiser, antes indicado como uma possível surpresa, a ponto de talvez até entrar no segundo turno, ficou com 13,94%. E a direita tradicional de Evelyn Matthei obteve 12,47%.

No Congresso, nenhum partido, nem mesmo a soma de partidos com afinidade ideológica, ficou com maioria. Porém, a direita e a extrema-direita unidas ficaram bem perto. O fiel da balança serão os legisladores de Franco Parisi, fundamental para formar maiorias.

Matemática para o segundo turno

José Antonio Kast ficou em segundo lugar, mas se sentiu vitorioso. A tal ponto que, no seu discurso depois do anúncio dos resultados, disse que celebrava um “triunfo”.

“O Chile hoje começa a dar os seus primeiros passos neste triunfo no primeiro turno”, comemorou.

Com uma campanha de “linha-dura” contra a criminalidade e contra a imigração ilegal, os candidatos de direita conseguiram somar mais da metade dos votos.

Se os eleitores repetirem certa lógica do voto na direita, José Antonio Kast conseguiria, pelo menos, 50,3% dos votos no segundo turno, somando os votos em Kast, Kaiser e Matthei.

Além disso, boa parte dos votos de Franco Parisi também devem ir a Kast não só porque Parisi é um opositor ao atual governo, mas porque as suas ideias também são radicais em termos de segurança e de imigração. Parisi é considerado um populista de direita.

José Antonio Kast é ex-deputado que disputa a Presidência pela terceira vez através do Partido Republicano, fundado por ele. No passado, a sua defesa do legado do ditador Augusto Pinochet pegava mal para a maioria da população, mas agora a sociedade chilena demanda segurança e controle migratório, em sintonia com a “linha-dura”.

Kast gera e explora tanto a demanda por segurança que passou a fazer seus discursos atrás de um vidro blindado.

Entre as suas medidas contra os imigrantes, promete tipificar a imigração irregular como um delito, expulsar os imigrantes em situação irregular e retirar deles benefícios como atendimentos em hospitais, e acesso à educação e moradia.

Mesmo se Jeannette Jara somar todos os seus votos com os de Franco Parisi não ultrapassaria 46,5%. A primeira candidata comunista a ter o apoio de toda a esquerda vai precisar tirar votos da direita: o alvo provável é a direita moderada de Evelyn Matthei.

Assim, o Chile voltaria ao chamado “pêndulo chileno”: desde 2006, nenhum presidente conseguiu eleger um sucessor. Além disso, desde 2015, todas as vitórias na América do Sul foram conquistadas por candidatos da oposição.

Alinhamentos e alianças

Evelyn Matthei e Johannes Kaiser pediram aos seus eleitores que apoiem José Antonio Kast.

“Por favor, apoiem no segundo turno o candidato Kast, basicamente para que este governo não continue no poder. Temos problemas demais em matéria de segurança e uma entrada absolutamente descontrolada de imigrantes”, pediu Matthei.

“Entrego o meu absoluto apoio no segundo turno a José Antonio Kast porque a alternativa é a senhora Jara”, reforçou Kaiser.

No caso de Matthei, a maior parte deve migrar, mas talvez nem todos os votos.

Isso porque José Antonio Kast, pai de nove filhos, tem adotado um silêncio tático sobre temas polêmicos como aborto, casamento homoafetivo e igualdade de gênero com os quais diverge. Essa estratégia de silêncio visa ampliar a sua base eleitoral, mas esses assuntos podem vir à tona se a candidata Jeannette Jara conseguir trazê-los para os debates. Até agora o debate foi controlado pela direita com foco nos temas da segurança e da imigração.

Franco Parisi é a incógnita. Tem repetido “nem comunismo, nem fascismo”, em referência a Jara e a Kast.

Nesta noite eleitoral, ele indicou que quer ouvir propostas como se estivesse disposto a negociar apoio em troca de compromissos. Ele incentivou os dois candidatos a mudarem as suas propostas e a assumirem as suas medidas.  

“Não ando assinando um cheque em branco. Tenho uma má notícia ao candidato Kast e à candidata Jara: ganhem os votos, ganhem as ruas”, desafiou.

Estratégias e táticas

Jeannette Jara vai precisar colocar sobre a mesa outros assuntos, vai precisar distanciar-se do governo do presidente Gabriel Boric ao qual pertenceu como ministra do Trabalho -aprovando uma reforma complementar para as aposentadorias e aumento do salário-mínimo, e vai precisar de um gesto que já foi levantado durante o primeiro turno: afastar-se do Partido Comunista.

As alternativas são a renúncia ou a suspensão da sua filiação ao partido que gera muita resistência na sociedade e, neste momento, até mais do que a extrema-direita que passou a defender abertamente o ex-ditador Augusto Pinochet sem pagar custos por isso.

Jeannette Jara já deu indicações no seu discurso de vitória: citou medidas dos candidatos derrotados que ela poderia adotar, tentando atrair os seus eleitores. Disse, por exemplo, que Franco Parisi soube interpretar a demanda popular, com medidas radicais e inovadoras.

“É a nossa obrigação escutar o povo”, afirmou. Jara indicou ainda que vai mostrar como a democracia pode estar em risco com a extrema direita e que sua candidatura é uma barreira para evitar esse risco.

“É preciso cuidar da democracia. Custou-nos muito recuperá-la para que hoje esteja em risco”, disparou, apontando o medo como estratégia usada pela extrema direita.

“Não deixem que o medo congele os seus corações. O medo deve ser combatido com mais segurança às famílias. Não inventando soluções imaginárias em cabeças que se escondem atrás de um vidro blindado”, atacou.

Já o candidato José Antonio Kast, atrás de um vidro blindado, disse que “o Chile acordou”, em alusão ao lema das maciças manifestações populares de 2019 contra a Constituição de 1980, imposta por Pinochet.

Kast colocou o segundo turno em 14 de dezembro como um plebiscito entre dois modelos: “o atual de destruição, de estagnação, de violência e de ódio”, contra o dele “de liberdade, de esperança e de progresso”. “Se Jara ganhar, a desordem ganhará”, afirmou, reforçando a sua tática de “lei e ordem”.

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