A esmagadora votação na Assembleia Geral da ONU, condenando a invasão da Ucrânia pela Rússia, só tem paralelo nas votações que, ano após ano, condenam o bloqueio econômico de Cuba pelos Estados Unidos.
Flávio Aguiar, analista político
Se os 141 votos a favor da resolução foram expressivos, também expressivas foram as abstenções ou ausências na histórica sessão. Países que poderiam apoiar a Rússia se abstiveram, como China, Cuba, Irã, Vietnã, Nicarágua. Até o Cazaquistão, cujo governo foi beneficiado por uma recente intervenção de tropas russas, se absteve. A Venezuela, aliada de Moscou, se ausentou.
Isto significa que a Rússia de Vladimir Putin se tornará um pária internacional, como afirmam alguns analistas? É cedo para tirar tal conclusão, apesar do boicote contra produtos russos em supermercados europeus, ou a anulação de espetáculos artísticos ou ainda o banimento da Rússia de algumas competições esportivas pelo mundo afora.
Em grande parte a resposta àquela pergunta dependerá da reação europeia à situação da guerra e seu desenlace, seja ele qual for. Para dizer o mínimo, os sinais são contraditórios.
É verdade, por exemplo, que a Alemanha reverteu sua posição histórica, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, de não enviar armamentos para regiões em conflito, ao concordar com seu envio para a Ucrânia. É verdade também que o presidente francês, Emmanuel Macron, que vinha fazendo esforços em favor de uma solução diplomática para o conflito, endureceu o discurso contra Moscou. E grande parte da mídia Ocidental vai promovendo o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, como o herói do momento.
OTAN revigorada
Por outro lado, é também verdade que, pelo menos até agora, o fluxo do gás liquefeito russo para os países europeus continua inalterado, passando, em grande parte, através da conturbada Ucrânia. Se a Alemanha suspendeu a autorização para o funcionamento do gasoduto Nordstream 2 através do mar Báltico, sua dependência em relação ao gás russo permanece a mesma, e apesar das promessas, a possibilidade de reverte-la no curto e mesmo médio prazo é remota, para não dizer impossível.
Alguns analistas também afirmam que a guerra revigorou a posição da OTAN como uma espécie de “guardiã da liberdade” na Europa. Porém isto não elimina as diferenças entre os Estados Unidos e o Reino Unido, de um lado, e a França e a Alemanha, de outro, quanto ao entusiasmo com que encaram a organização.
Um outro fator a ser avaliado no futuro é o dramático aumento de refugiados ucranianos que buscam os países europeus vizinhos. Seu número se aproxima do milhão e meio, com quase a metade deles acorrendo para a Polônia. Como isto afetará o equilíbrio político dentro dos países atingidos por estas levas? Como elas afetarão as posições dos partidos de extrema-direita, tradicionais inimigos das imigrações e pelo menos alguns deles simpáticos historicamente em relação a Vladimir Putin?
Como ficará o mundo das informações? Se a Rússia vem censurando o funcionamento de várias mídias, vistas como adversas, a União Europeia coibe os sites russos Russia Today e Sputnik, acusados de distribuírem fake news sobre a guerra.
O resumo deste elenco é que há mais dúvidas sobre como ficará a Europa depois desta guerra do que certezas. Como sempre, é mais fácil saber como ela começou, apesar das divergentes versões a respeito, do que saber como vai terminar.
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