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Força antropofágica de ensaio poético de Alberto Mussa ganha versão em francês

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O ano é 1550, os primeiros colonizadores já se espalham pela terra do pau-brasil e, durante a ocupação francesa da baía de Guanabara, um frei católico, André Thévet, se aventura na floresta para descobrir toda a cosmogonia mítica dos tupinambás, canibais que aspiravam chegar ao paraíso devorando seus inimigos. A tradutora Émilie Audigier, conta como foi traduzir o ensaio poético "Meu destino é ser Onça", do escritor Alberto Mussa, para a língua de Molière, num contexto de decolonização do olhar.

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Émilie Audigier, tradutora
Émilie Audigier, tradutora © Captura de tela
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Para assistir a entrevista na íntegra, clique na imagem acima

"Há uma grande aventura, realmente, um encontro entre os europeus que vieram ao Brasil pela primeira vez no século XVI e que, justamente, retrataram os relatos sobre as culturas tupinambá e tupi-guarani", diz Émilie Audigier, doutora em Literatura e professora do departamento de Letras da Universidade Federal do Maranhão. "Essa representação do outro evoluiu ao longo dos séculos e o Alberto Mussa consegue fazer um recorte desses relatos para poder inventar a partir do que foi escrito", diz a tradutora do livro que, em francês, recebeu o nome de "Mon destin est d'être jaguar" e é publicado pela editora Passages.

No livro de Alberto Mussa, lançado pela editora Record no Brasil, o sujeito do olhar é pertinentemente invertido: não são os europeus que reinventam o "selvagem", mas os índios tupinambás que assumem a autoria do mundo. "A ideia do Mussa é dar a voz aos tupinambás sem esse olhar europeu, moralizador e cristão daquela época. De certa forma ele retomou todos os relatos, se abstendo do julgamento sobre os índios e tentando dar voz aos próprios indígenas, isso é muito original... É uma teoria do decolonial...", observa Audigier.

"A ideia do bom selvagem, muito desenvolvida no século XVIII, do Iluminismo, foi revisitada pelos antropólogos do século 20, como Eduardo Viveiros de Castro, e então temos uma nova visão do que era a antropofagia, esse desejo de vingança para poder acessar o paraíso, essa terra sem mal", pondera a tradutora e professora francesa. 

Tradução/Criação

"O primeiro contato que tive [com esse texto] foi com a obra original em construção", lembra Émilie Audigier. "Quando conheci o [Alberto] Mussa, ele estava escrevendo esse livro. Então eu já me interessava por esse livro há 10 anos. Quando decidi publicar e a tentar trazer esse projeto para a França, fiz pesquisas nos textos históricos. Tive por um lado o texto do Mussa e todo o vocabulário para traduzí-lo para o francês, e todo o léxico, claro, com muitas dificuldades de língua tupi-guarani. Foi uma ampla pesquisa", conta.

Audigier considera que o autor brasileiro insere uma "nova categoria" literária entre o ensaio e a ficção com "Meu destino é ser Onça". "Não se trata apenas do lado literário, que é o relato mesmo das histórias, da cosmogonia, mas também de um ensaio, porque é uma nova teoria sobre a antropofagia. Acaba sendo um misto, um livro híbrido, e você pode entrar de várias maneiras, como especialista ou como um iniciante que vai conhecer essas histórias", sublinha a tradutora.

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