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Pesquisador publica livro na França revelando as raízes do “federalismo tropical” brasileiro

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O livro "Municípios e províncias no Brasil no tempo das monarquias: as origens de um federalismo tropical", de Daniel Magalhães Costa, recebeu o prêmio científico da editora Harmattan, que acaba de editá-lo na França. A obra, publicada por enquanto apenas em francês, é fruto de uma tese de doutorado em Ciência Política defendida na Universidade Paris Panthéon-Assas. O “federalismo tropical” seria um legado do conceito de “monarquia federativa” desenvolvido pelo autor.

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Daniel Magalhães Costa
Daniel Magalhães Costa © RFI
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O mineiro Daniel Magalhães da Costa é radicado na França e trabalha na Universidade Paris Panthéon-Assas, onde concluiu a tese de doutorado em 2022. A obra apresenta uma análise detalhada da administração territorial brasileira antes de 1889, isto é, antes da Proclamação da República e da adoção do sistema federativo brasileiro, mas também faz ponderações sobre o regime atual.

Desconstruir uma representação que entrou para o imaginário coletivo foi o ponto de partida do trabalho. Daniel Magalhães da Costa questionou a ideia de que o Império do Brasil, fundado após a independência de Portugal em 1822, era um estado unitário e centralizado como dita a historiografia clássica, com o imperador e o Parlamento dominando todas as províncias.

Ele pondera que se hoje, em 2025, a estrutura administrativa existente “ainda não consegue atingir a integralidade do território brasileiro, me parecia um pouco estranho que se pretendesse que isso fosse possível já no século 19”.

Ao propor uma nova leitura sobre a formação do Estado brasileiro, o autor mostra um país que, desde o século 19, tinha elementos de descentralização e autonomia local. “Eu tentei colocar em valor a ideia de que, sim, existia um estado central, existia uma administração central, mas isso não implicava a inexistência de outros poderes legislativos, seja a nível local ou provincial”, argumenta.

Lembrando a imensidão do território, na época pouco povoado, ele partiu da premissa de que o Brasil “é um país continental, impossível de ser governado a partir de um único ponto, e que é necessário que haja um certo espaço de liberdade de ação nos territórios mais próximos das populações, nos municípios ou nas províncias”, que os teóricos chamam de "autonomia", aponta o autor. 

Monarquia federativa

O conceito de "monarquia federativa" surge como um elemento fundamental da tese. Costa explica que “durante essa pesquisa insistiu nas continuidades históricas”, e isso desde o Brasil Colônia, apresentado como um período bastante fragmentado. “As conclusões que cheguei foram que, na verdade, existem muito mais continuidades do que rupturas nessa história institucional brasileira e que a forma como o Brasil se constituiu em 1889, quando foi proclamada a República e quando foi adotada oficialmente a forma federal de estado, não foi uma completa inovação em relação ao que se praticava antes.”

Outro aspecto central de sua pesquisa é a continuidade territorial ao longo da história brasileira. Os mapas apresentados no livro revelam que os estados atuais correspondem, em grande parte, “às antigas províncias imperiais que, por sua vez, correspondem às capitanias do período colonial”.

A permanência, ou a continuidade sem ruptura, também é perceptível em relação às elites que comandavam o país. “As elites regionais entenderam, na virada do século 18 para o século 19, que juntas tinham interesses comuns e que juntas seriam mais fortes”, indica.

Legado

Para Daniel Magalhães Costa, o legado do regime imperial para o federalismo brasileiro é inegável. O Brasil, embora não fosse formalmente um Estado federal no século 19, já operava com uma estrutura que concedia o mesmo estatuto jurídico às províncias, independentemente de seu tamanho ou importância econômica. Essa caracterização permaneceu na transição para a República, moldando a organização política do país.

“O Brasil era e continua sendo composto hoje por estados, antes por províncias, bastante desiguais. Apesar dessas desigualdades, que já existiam e continuam existindo hoje, o sistema brasileiro funciona porque legalmente se tenta compensar um pouco as diferenças territoriais e demográficas”, salienta.

Apesar dessa herança, Costa aponta uma falha persistente no modelo brasileiro. De acordo com sua análise, “essa igualdade ficou até hoje restrita às instâncias federais no Brasil”. Há uma desigualdade dos níveis estadual e municipal que, no entanto, são mais próximos da população, diferentemente de países como os Estados Unidos e a Alemanha, compara.

O autor encerra sua análise pedindo mais democracia no sistema federativo brasileiro. O “federalismo tropical” é “positivo, mas não é perfeito e pode ser redesenhado”. Para promover uma maior democratização dos “dois níveis inferiores”, ele sugere um redesenho “dentro dos parâmetros de um estado federal que respeite essa divisão de poderes entre o centro e as periferias (...), que, apesar de estarem mais próximas da população, funcionam de uma certa forma que eu considero menos acessíveis ao conjunto da população”.

Clique na foto principal para assistir à entrevista completa.

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