ONU aos 80 anos: encruzilhada entre relevância global e soberania nacional
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A Organização das Nações Unidas (ONU) vive um momento crítico em sua trajetória. Ao completar 80 anos, a instituição enfrenta uma crise multifacetada que envolve desafios financeiros, estruturais e de identidade. Segundo a professora Tânia Mansur, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, o programa de reformas internas da ONU representa uma “tarefa bastante complexa”.

Patrícia Moribe, em Paris
Para enfrentar esses desafios, a ONU lançou a iniciativa "ONU80", um ambicioso programa de reformas com o objetivo de racionalizar suas operações, ampliar seu impacto e reafirmar sua relevância em um mundo em constante transformação.
A professora da UnB identifica um "momento de virada" para a organização, especialmente desde a década de 1990, que exige uma redefinição de seus papéis. Isso levanta questões importantes, como “qual será a participação do Brasil nesse novo contexto?” e “qual o futuro das Nações Unidas?”.
Além dos desafios políticos e conceituais, a ONU enfrenta uma grave crise financeira e estrutural. Em 2024, a instituição registrou um déficit orçamentário de US$ 859 milhões, com apenas 112 dos 193 países-membros em dia com suas contribuições – incluindo a inadimplência dos Estados Unidos, seu maior financiador histórico. Diante desse cenário, o secretário-geral António Guterres foi obrigado a congelar contratações e adotar medidas rigorosas de contenção de gastos.
Tarefa complexa
Para Mansur, reformar a ONU é uma tarefa complexa, pois exigiria a anuência de atores com interesses profundamente divergentes – algumas vezes “inimigos viscerais” –, o que levanta dúvidas sobre a viabilidade técnica dessas negociações. Ela ressalta que a ONU é uma estrutura gigantesca, com 15 agências especializadas, além de diversos programas, fundos e escritórios, o que torna difícil imaginar soluções simples. Segundo ela, é necessário mais “clareza”, “responsabilização” (accountability) e “agilidade no processo decisório”.
A iniciativa "ONU80" busca justamente esses objetivos: melhorar a eficiência interna, revisar mandatos e promover mudanças estruturais. No entanto, essas propostas têm gerado preocupações internas. Estimativas não oficiais apontam para a possível eliminação de cerca de 2.000 funcionários em Genebra e até 7.000 no secretariado global. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), por exemplo, já confirmou o corte de 3.500 postos de trabalho em todo o mundo.
Para o governo brasileiro, segundo Mansur, as soluções passam pela “negociação” e por uma “mudança na visão do que é o poder mundial”. Ela também destaca que, historicamente, ações de “solidariedade” e “ajuda humanitária” nas relações internacionais carregam elementos de influência estratégica (soft power) e interesses específicos, nem sempre motivados apenas por altruísmo. Essa compreensão exige atenção especial aos modelos e formatos de atuação da ONU, para garantir que a organização continue relevante e eficaz.
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