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ONU aos 80 anos: encruzilhada entre relevância global e soberania nacional

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A Organização das Nações Unidas (ONU) vive um momento crítico em sua trajetória. Ao completar 80 anos, a instituição enfrenta uma crise multifacetada que envolve desafios financeiros, estruturais e de identidade. Segundo a professora Tânia Mansur, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, o programa de reformas internas da ONU representa uma “tarefa bastante complexa”. 

Prédio da sede das Nações Unidas, em Nova York, visto do interior da sala da Assembleia Geral (imagem de arquivo de 21 de setembro de 2021).
Prédio da sede das Nações Unidas, em Nova York, visto do interior da sala da Assembleia Geral (imagem de arquivo de 21 de setembro de 2021). AP - Eduardo Munoz
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Patrícia Moribe, em Paris

Para enfrentar esses desafios, a ONU lançou a iniciativa "ONU80", um ambicioso programa de reformas com o objetivo de racionalizar suas operações, ampliar seu impacto e reafirmar sua relevância em um mundo em constante transformação.

A professora da UnB identifica um "momento de virada" para a organização, especialmente desde a década de 1990, que exige uma redefinição de seus papéis. Isso levanta questões importantes, como “qual será a participação do Brasil nesse novo contexto?” e “qual o futuro das Nações Unidas?”.

Além dos desafios políticos e conceituais, a ONU enfrenta uma grave crise financeira e estrutural. Em 2024, a instituição registrou um déficit orçamentário de US$ 859 milhões, com apenas 112 dos 193 países-membros em dia com suas contribuições – incluindo a inadimplência dos Estados Unidos, seu maior financiador histórico. Diante desse cenário, o secretário-geral António Guterres foi obrigado a congelar contratações e adotar medidas rigorosas de contenção de gastos.

Tarefa complexa

Para Mansur, reformar a ONU é uma tarefa complexa, pois exigiria a anuência de atores com interesses profundamente divergentes – algumas vezes “inimigos viscerais” –​​​​​,​​ o que levanta dúvidas sobre a viabilidade técnica dessas negociações. Ela ressalta que a ONU é uma estrutura gigantesca, com 15 agências especializadas, além de diversos programas, fundos e escritórios, o que torna difícil imaginar soluções simples. Segundo ela, é necessário mais “clareza”, “responsabilização” (accountability) e “agilidade no processo decisório”.

A iniciativa "ONU80" busca justamente esses objetivos: melhorar a eficiência interna, revisar mandatos e promover mudanças estruturais. No entanto, essas propostas têm gerado preocupações internas. Estimativas não oficiais apontam para a possível eliminação de cerca de 2.000 funcionários em Genebra e até 7.000 no secretariado global. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), por exemplo, já confirmou o corte de 3.500 postos de trabalho em todo o mundo.

Para o governo brasileiro, segundo Mansur, as soluções passam pela “negociação” e por uma “mudança na visão do que é o poder mundial”. Ela também destaca que, historicamente, ações de “solidariedade” e “ajuda humanitária” nas relações internacionais carregam elementos de influência estratégica (soft power) e interesses específicos, nem sempre motivados apenas por altruísmo. Essa compreensão exige atenção especial aos modelos e formatos de atuação da ONU, para garantir que a organização continue relevante e eficaz.

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