Homenageado em Biarritz, Kleber Mendonça Filho celebra reconhecimento internacional
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Um dos diretores brasileiros de maior projeção no cenário internacional, Kleber Mendonça Filho vive um momento de grande realização na carreira. O Agente Secreto, dirigido por ele e selecionado para representar o Brasil na busca por uma vaga entre os indicados ao Oscar 2026, abriu o Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz no sábado (20). O cineasta pernambucano é o grande homenageado do evento, que acontece até sexta-feira (26) no sudoeste da França, onde ele conversou com a RFI.
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Maria Paula Carvalho, enviada especial da RFI a Biarritz
Kleber Mendonça é considerado uma espécie de “embaixador do cinema nacional” e porta-voz dos brasileiros em Biarritz. Nesta 34ª edição, ele recebeu o prêmio "Abraço de Honra", que celebra o talento de artistas e intelectuais que representam a América Latina. “Eu sempre tive uma referência pessoal de Biarritz, muito antes de conhecer o festival, e para mim foi uma grande honra. Acho que esse é um dos troféus mais lindos que já recebi”, comentou neste domingo (21), em entrevista à RFI.

O Agente Secreto (2025) estreou no Festival de Cannes, onde ganhou os prêmios de melhor diretor e melhor ator para Wagner Moura. Agora, a produção disputa um lugar entre os dez indicados a Melhor Filme Internacional no Oscar, a maior premiação do cinema.
“A cada dia eu me surpreendo mais. Estamos muito felizes com a trajetória do filme. De fato, ele estreou no Festival de Cannes e saiu de lá com prêmios muito importantes. Tenho viajado desde então com esse filme pelo mundo inteiro, e agora ele entra em dois ou três momentos muito importantes, que são os lançamentos em salas de cinema na Europa”, afirma.
O diretor destaca também o lançamento brasileiro, no dia 6 de novembro. Além disso, menciona a temporada dos prêmios na América do Norte, nos Estados Unidos. "Começamos muito bem em Telluride [Colorado] e Toronto, no início de setembro, e agora vem o Festival Internacional de Nova York. São muitas frentes, e eu tento acompanhar o filme da melhor forma possível”, comenta.
Longa ambientado no Recife em 1977
O Agente Secreto se passa no Recife em 1977 e explora as tensões políticas da época da ditadura militar. “Esse passado é, em parte, pessoal, porque eu tinha nove anos na época. Lembro do clima, da atmosfera, do cheiro de 1977”, conta. “Além disso, tem todo o meu conhecimento histórico, histórias que ouvi e que me contaram, as pesquisas que fiz em jornais, as fitas que ouvi. Tudo isso me leva a um panorama do nosso país que considero muito importante contar”, completa.
Na trama, Wagner Moura vive o personagem Marcelo, que representa um dos muitos brasileiros perseguidos pelo regime militar. “Cheguei a essa história observando uma lógica que pode existir em qualquer país que passa por um regime autoritário”, explica o diretor. “Costumo dizer que O Agente Secreto tem a lógica do Brasil. Existem muitas histórias de profunda injustiça no nosso país, infelizmente”, destaca Kleber.
O cineasta pernambucano diz ter buscado inspiração no filme Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho. “Se você assistir àquele filme, verá que ele tem a lógica do nosso país. É uma lógica de profunda injustiça. Mas é o tipo de narrativa sobre o Brasil que me interessa muito”, diz. "Em O Agente Secreto, quis desenvolver algo que fosse muito autêntico, muito humano, que tivesse muito amor, mas que também tivesse essa lógica extremamente cruel do nosso país”, explica.
O filme apresenta elementos de realismo fantástico, como a história da perna humana encontrada dentro de um tubarão. Kleber explica: “Essa história da perna cabeluda não é uma criação minha. É uma lenda urbana que surgiu nos anos 1970 como um antídoto do jornalismo para poder contar histórias que não estavam sendo permitidas por causa da censura”. Ele detalha: “Se alguma coisa acontecia envolvendo a polícia e situações de violência — seja de homofobia ou de preconceito — quando a polícia chegava num parque e espancava as pessoas, como os jornalistas não podiam dizer o que realmente aconteceu, eles inventaram a perna cabeluda que atacava”. É uma lenda que ele ouviu desde criança.
Kleber procurou juntar fábula com realidade. “Recife é uma cidade litorânea e, nos últimos 30 anos, passou a ter um problema real de ataques de tubarão. Então, de alguma maneira, isso também compõe a realidade local”, continua.

Cinema como ferramenta da democracia
Antes de se tornar um cineasta reconhecido, Kleber foi crítico e programador de cinema. Em 2022, recebeu uma missão especial do Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz. Referência de peso do audiovisual brasileiro e já premiado no exterior, teve o desafio de elaborar uma lista de filmes representativos da filmografia brasileira para a programação Focus Brésil, que aconteceu em paralelo à mostra competitiva. Naquela época, em entrevista à RFI, o diretor já denunciava a instabilidade democrática no país e defendia o cinema como ferramenta de resistência — uma posição que manteve nos últimos anos.
“Nesse momento, o Brasil voltou à estrada democrática”, avalia. Kleber diz que o país “abandonou essa estrada de maneira muito cínica a partir de 2016, quando houve um golpe contra uma presidente que, hoje está absolutamente comprovado, não fez nada. E isso abriu as portas para uma extrema direita cada vez mais delirante tomar conta e virar de cabeça para baixo uma sociedade que tinha sido reconstruída como democrática”.
“Com a volta do Lula, vejo o Brasil novamente em um comportamento cidadão em relação a si próprio e ao mundo”, continua. “O cinema e as artes em geral têm um papel. A nossa Constituição defende que a expressão cultural no Brasil seja bancada com dinheiro público e que ela chegue às pessoas, através do apoio público. E é isso que tenho feito desde a época em que produzia curtas-metragens”, completa.
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"Diplomata em turnê"
Kleber Mendonça Filho comenta o interesse renovado por diretores brasileiros no exterior. Para ele, isso se deve à “sedimentação de uma produção que tem viajado o mundo inteiro”.
Ele cita como exemplo o longa-metragem Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2024. O diretor acredita que “aquele filme gerou um senso de orgulho nos brasileiros”.
“Quando um filme viaja muito e passa a ser algo estrangeiro, você passa a representar o Brasil quase como um diplomata”, compara. “Isso é muito bonito. Nunca atuei pelo Itamaraty, mas, quando venho aqui para Biarritz para receber um prêmio, e agora vou para San Sebastián [Espanha], depois Zurique, Nova York, Los Angeles, Londres... você termina sendo uma espécie de diplomata em turnê”, conclui.
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