Saúde em dia

Conheça a eco-ansiedade, distúrbio que vem crescendo com os eventos climáticos extremos

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Incêndios, seca, derretimento de geleiras, inundações. À medida em que os eventos climáticos extremos se multiplicam e as populações são cada vez mais expostas a situações dramáticas, cresce o número de pessoas que buscam ajuda de terapia para enfrentar um futuro incerto. A pandemia de coronavírus acentuou as preocupações frente a notícias já perturbadoras sobre o estado do nosso planeta, que emanam regularmente dos relatórios científicos.

A American Psychology Association (APA) descreve a eco-ansiedade como “o medo crônico de sofrer uma catástrofe ambiental.
A American Psychology Association (APA) descreve a eco-ansiedade como “o medo crônico de sofrer uma catástrofe ambiental. AP - Bernat Armangue
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O termo nasceu nos anos 2000, nos Estados Unidos, e está sendo cada vez mais usado porque o número de pessoas afetadas está aumentando, principalmente entre jovens de 20 a 30 anos, que se sentem impactados e preocupados com a própria existência. As consequências imediatas do distúrbio podem ser insônia, desânimo ou sentimento de desamparo, sintomas descritos da chamada eco-ansiedade.

A médica sanitarista e epidemiologista francesa Alice Desbiolles estuda os sinais de ansiedade frente à deterioração do meio ambiente. Um conceito inovador que descreve as emoções e dúvidas que a destruição crônica do planeta provoca em todos nós. “Os sintomas são múltiplos e podem ser diferentes para cada indivíduo. Eles vão desde interrogações e questionamentos a até emoções como a tristeza, a raiva e inquietude, frente a um futuro ameaçado ou comprometido. Pode se traduzir, também, como transtornos de sono e mesmo ataques de pânico diante de informações que desencadeiam ansiedade”, explica.

Autora do livro “Eco-ansiedade, viver serenamente em um mundo destruído” (Edições Fayard), Desbiolles foi uma das primeiras profissionais de saúde a popularizar e mediar a eco-ansiedade e as consequências do aquecimento global para a saúde. “Nós não somos eco-ansiosos, mas nos tornamos.  Há todo um caminho íntimo e pessoal face a tantas informações e experiências relativas às mudanças climáticas. Então, a causa é bem identificada. E essa é a direção que estamos tomando coletivamente com o nosso planeta, que pode ser fonte de preocupação e questionamento”, acrescenta.    

A seca que atingiu a Europa no verão de 2022 reforçou a preocupação climática.
A seca que atingiu a Europa no verão de 2022 reforçou a preocupação climática. AP - Luca Bruno

Um verão quente

O verão de 2022 na Europa reforçou essa preocupação: o fogo devastou milhares de hectares de florestas, rios e lagos secaram e agricultores se viram ameaçados. Mais de 100 municípios franceses enfrentaram problemas de abastecimento de água.

“É uma questão que abala o psicológico das pessoas porque elas se sentem impotentes”, explica o psicanalista Márcio Renzo. “Quando se trata de catástrofes ambientais, tudo isso é muito impactante, geralmente tem várias vítimas, prejuízos e isso afeta as pessoas de forma contundente. E traz essa sensação de impotência por não poder reagir e ter uma prevenção efetiva”, completa.

“Nos casos mais leves aparecem primeiro aqueles sinais característicos da ansiedade, que são taquicardia, náusea, mudanças de humor, alterações de sono e gastrointestinais. Chegando num nível mais grave, pode apresentar casos de depressão e ideações suicidas”, diz.

Milhares de hectares de florestas foram queimados em incêndios que atingiram a Europa neste verão no hemisfério Norte. As imagens das chamas reforçam o medo das mudanças climáticas.
Milhares de hectares de florestas foram queimados em incêndios que atingiram a Europa neste verão no hemisfério Norte. As imagens das chamas reforçam o medo das mudanças climáticas. AP - Noah Berger

Não agir como "avestruz"

O especialista alerta que fechar os olhos para o problema não é uma boa estratégia. “Para a prevenção e controle do caso, é interessante que as pessoas conheçam o seu inimigo. Não é interessante que as pessoas se escondam e não busquem informações. É importante que elas busquem informações sobre as alterações climáticas porque, desta forma, nós conseguimos trabalhar a aceitação do problema, a reação, a resiliência ao enfrentamento desses quadros climáticos mais agressivos”, acrescenta.

“Elas lidando melhor com essa situação, deixam de ter alguns sintomas mais graves e característicos como esse medo e a questão de não querer ter filhos por conta do futuro. E isso tudo nós conseguimos trabalhar através da terapia para que elas se encontrem, se centralizem de forma a aceitar e a enfrentar”, ensina.

Porém, diante da inércia do poder público, os casos de eco-ansiedade podem se tornar mais comuns no futuro.  “Aqui no Brasil, nós não termos tantos eventos extremos assim. Se bem que, ultimamente, tem acontecido secas mais prolongadas, ondas de calor mais intensas, incêndios. E a tendência é que com o aumento dessas alterações climáticas, a procura irá aumentar”, acredita.

O professor Antoine Pelissolo, chefe do departamento de psiquiatria do Hospital Henri-Mondor de Créteil (AP-HP), na França, vê cada vez mais pacientes chegarem ao seu departamento com esses medos. “O primeiro sintoma é um pico de estresse, um choque, mas alguns também entrarão em uma espécie de túnel de ansiedade, angústia e às vezes depressão ligada à perda de esperança”, disse o médico, em entrevista ao canal Franceinfo.

"Enquanto as gerações anteriores pensavam principalmente em seus filhos ou netos, hoje há uma percepção de que isso pode afetar a sua própria vida", completa.

Segundo um estudo realizado com jovens de todo o mundo durante a COP 26, ocorrida em Glasgow em novembro de 2021, 75% dos entrevistados consideravam o futuro "assustador" e 45% diziam sofrer de eco-ansiedade.

“Muitos levantam a questão de ter filhos ou não, o modo de consumo, a escolha do trabalho. São perguntas legítimas, mas que, em alguns casos, vão além do questionamento e podem causar grande sofrimento”, explica Pelissolo. "Chegamos a tal ponto que, para alguns, não é mais aceitável ter filhos. Porque isso significa expô-los a consequências dramáticas e aumentar o número de pessoas na Terra", acrescenta o psiquiatra.

Co-autor do livro “As emoções das mudanças climáticas” (Editora Flammarion), Antoine Pelissolo explica que tais sentimentos podem vir acompanhados de “culpa e raiva pela inação geral”.

Diante da inércia do poder público, os casos de eco-ansiedade podem se tornar mais comuns no futuro. Moradores se abraçam diante da casa atingida por um incêndio.
Diante da inércia do poder público, os casos de eco-ansiedade podem se tornar mais comuns no futuro. Moradores se abraçam diante da casa atingida por um incêndio. AP - Emilio Morenatti

Da lamentação à ação

Os especialistas também indicam passar da lamentação à ação, participando de grupos em prol do meio ambiente, por exemplo, deixando de ser apenas um observador do aquecimento global para se envolver na solução.

“Nem sempre é fácil, porque às vezes você encontra aqueles que ainda negam o aquecimento global. Além disso, você deve alinhar suas ações com suas preocupações. É assim que você consegue transformar sua ansiedade em algo que pode ser produtivo e útil”, recomenda Antoine Pelissolo.

Esta terapia de boas ações, os escoteiros de Nantes (noroeste) também recomendam. Eles dedicam parte de suas férias à coleta de lixo nos riachos de Marselha (sul) para evitar incêndios. "Temos a chance de mudar. Se todos agirmos em nossas comunidades, podemos, talvez, diminuir os efeitos que isso pode ter nos próximos anos", diz um jovem francês, atento às questões climáticas.

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