Saúde em dia

Cientistas franceses criam cópias de cânceres para testar moléculas em tumores resistentes

Publicado em:

Como melhorar o estado de pacientes graves, com tumores em fase terminal, propondo tratamentos individualizados? Para encontrar uma resposta a este desafio, uma equipe de cientistas franceses do Instituto Gustave Roussy, em Villefuif, perto de Paris, fabrica em laboratório cópias biológicas de cânceres a partir das células dos pacientes.

One of your browser extensions seems to be blocking the video player from loading. To watch this content, you may need to disable it on this site.

Laboratório onde a equipe do Instituto Gustave Roussy cria as cópias biológicas de cânceres
Laboratório onde a equipe do Instituto Gustave Roussy cria as cópias biológicas de cânceres © Taíssa Stivanin/RFI
Publicidade

Taíssa Stivanin, da RFI

A médica e pesquisadora francesa Fanny Jaulin, especialista em gastroenterologia, genética e biologia molecular, lidera o grupo de pesquisadores do instituto francês, um dos maiores do mundo. A equipe busca entender o mecanismo de disseminação das células cancerígenas em metástases e soluções para melhorar o quadro de pacientes que tentaram, sem sucesso, outros tratamentos.

A técnica, explicou a cientista à RFI Brasil, visa desenvolver miniaturas dos órgãos, chamados de organóides, a partir de organismos vivos. “Nosso desafio é recriar os tumores dos pacientes com câncer, com foco em novos tratamentos. Nós nos especializamos na criação desses organóides, cultivados em laboratório a partir de uma pequena biópsia, feita com uma simples agulha”, explica Fanny.

O material é obtido de maneira não-invasiva e a quantidade é equivalente a um grão de arroz, compara. Em seguida, tendo as amostras à disposição, a equipe cria cópias do câncer do paciente para testar alternativas terapêuticas personalizadas. O alvo, no inicio, foram os tumores digestivos, como o colorretal e o do pâncreas.

Mas a técnica também pode ser aplicada a outros tipos de tumores, como os carcinomas derivados de tecidos epiteliais.

“Realizamos dois estudos pilotos, com 25 e 50 pacientes, diagnosticados com um câncer do pulmão e do pâncreas. O objetivo foi aprimorar essa tecnologia e padronizar nossas práticas, para depois aumentarmos nossa capacidade de criação de cópias orgânicas dos cânceres”, explica a cientista francesa.

A maioria dos pacientes que participou da primeira fase do estudo estava internada no instituto francês. Em todos os casos, a doença estava em um estágio avançado.

Testes com moléculas

Desde o ano passado, a equipe também testa diferentes medicamentos nos cânceres copiados em laboratório. Os participantes do projeto, especifica, estavam sem opões terapêuticas e já haviam sido submetidos a todos os tipos de tratamento contra o câncer, como a quimoterapia, a radioterapia e até a imunoterapia, sem resultado.

A meta é propor um tratamento personalizado, baseado nas características das células cancerígenas de cada paciente. O trabalho envolve 14 hospitais franceses.

“Testamos 25 moléculas que têm uma indicação para diferentes tipos de câncer, como o do seio, do cólon, pâncreas ou pulmão. A toxicidade deles é conhecida. Não testamos nos pacientes moléculas que ainda não têm autorização para serem comercializadas”, frisa a pesquisadora.  

A engenheira em biotecnologia Néegar Goudarzi integra a equipe de Fanny e produz os cânceres vivos criados em laboratório. Ela mostra as lâminas onde estão os tumores fabricados a partir das células recolhidas nas biópsias. “Cada paciente é diferente em relação à histologia (ramo da Ciência que estuda os tecidos biológicos) e à genética. Desta forma, podemos eliminar os medicamentos que não funcionam para esse paciente.”

A cientista francesa Fanny Jaulin coordena uma equipe de pesquisadores, que fabrica, em laboratório, cópias dos cânceres dos pacientes, utilizando células obtidas em biópsias.
A cientista francesa Fanny Jaulin coordena uma equipe de pesquisadores, que fabrica, em laboratório, cópias dos cânceres dos pacientes, utilizando células obtidas em biópsias. © Taissa Stivanin/RFI

 

Em 80% dos casos, pelo menos uma das três moléculas que ainda não havia sido testada age no tumor. A esperança é que a personalização traga benefícios concretos inéditos para frear a progressão da doença. “Não queremos compreender por que a molécula é eficaz, só testar para saber se é eficaz”, destaca Fanny Jaulin.

Ainda é cedo para se tirar conclusões, mas a cientista francesa está otimista. “A dificuldade destes testes clínicos é que trabalhamos com pacientes que estão sofrendo, e chegaram no estágio final de uma doença que é progressiva e complicada. Veremos se é possível aumentar a sobrevida deles.”

No próximo ano ocorrerá a fase 3 do estudo e a equipe avaliará a possibilidade de incluir na pesquisa cerca de 300 pacientes que sofrem de câncer do pâncreas. “Será necessário, agora que fizemos a validação do conceito, viabilizar a terapia em função das indicações e do histórico de cada paciente, e decidir em qual fase da doença essa terapia poderia trazer algum benefício clínico”, conclui.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios