A Semana na Imprensa

Estado francês compactua com modelo agrícola favorável aos grandes produtores, critica revista

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O movimento social dos agricultores franceses tem ampla cobertura de revistas semanais francesas. A L'Obs, publicação de linha progressista, avalia em seu editorial que "apesar da aura simbólica, quase sagrada, que o mundo rural representa no imaginário dos franceses, esse mito não impediu o declínio do setor, que agora precisa ser reformado com lucidez".

Agricultores bloqueiam rodovia A64 nos arredores de Toulouse em protesto contra as normas ambientais e a pressão de varejstas e industriais por preços baixos.
Agricultores bloqueiam rodovia A64 nos arredores de Toulouse em protesto contra as normas ambientais e a pressão de varejistas e industriais por preços baixos. REUTERS - NACHO DOCE
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A agricultura continua a ser uma paixão francesa, diz a L'Obs. Mas, na realidade, o setor agrícola emprega apenas 1,5% da população e produz 1,6% da riqueza nacional (PIB). Numa avaliação crítica, a revista afirma que o poder público fez vista grossa para a "depressão" no setor, causada pela concorrência do agronegócio globalizado, a extinção do modelo de agricultura familiar, a poluição, o esgotamento dos solos e o endividamento dos agricultores, mesmo com as subvenções da União Europeia. 

A L'Obs observa que o modelo produtivista defendido pela Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores da França (FNSEA), principal entidade do setor, e também pelo Estado favorece os interesses das grandes culturas voltadas à exportação em detrimento dos pequenos produtores. Essa federação exerce forte capacidade de mobilização, com 212.000 afiliados entre 496.000 agricultores franceses.

Ruralista poderoso

Um especialista entrevistado para a reportagem afirma que o atual presidente da FNSEA, Arnaud Rousseau, encarna a quintessência desse sistema e defende acima de tudo os seus interesses econômicos. O dirigente possui uma propriedade de 700 hectares de terras cultiváveis, preside o grupo Avril – gigante agroalimentar com um faturamento anual € 9 bilhões e também atua no segmento de agrocombustíveis e ração animal.

Para o jornalista e escritor Gilles Luneau, autor do livro “A Fortaleza Agrícola", a entidade "pressiona pela expansão e concentração das explorações agrícolas nas mãos de poucos".  Além disso, "demonstra capacidade de impor aos poderes políticos a sua visão da agricultura".

Franceses rejeitam agrotóxicos na comida

A Le Point mostra que 85% dos franceses aprovam o movimento social dos agricultores. Entretanto, apesar desse apoio declarado, 78% dos entrevistados na sondagem Cluster17 exigem que a utilização de agrotóxicos seja reduzida em 50% até 2030, e 68% consideram desejável atingir “25% de terras cultivadas em agricultura orgânica”. 

Esses dois temas estão entre as principais preocupações levantadas pelos manifestantes – que alertam para o iminente desaparecimento das culturas de cereja, espinafre, avelã, endívia, beterraba e outros produtos por falta de proteção química das culturas. Ao mesmo tempo, a agricultura orgânica enfrenta uma crise por falta de clientes devido aos preços pouco competitivos. Os franceses perderam poder de compra, após dois anos de inflação.

Elo frágil

A maioria dos entrevistados para a pesquisa (93%) veem os agricultores como “vítimas dos lobbies do agronegócio”.

Diante dessa conjuntura, a revista L'Express resume: "O agricultor é o elo frágil e eterno perdedor na guerra de preços entre a indústria alimentícia, que muitos analistas acusam de aumentar abusivamente sua margem de lucro, e os grandes varejistas, que pressionam para baixo nas duas pontas". 

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