A pandemia do novo coronavírus está reforçando o poder das máfias na Itália. A prática de agiotagem cresce no país. As vítimas são principalmente os comerciantes e empresários do setor de restaurantes e hotéis. Uma pesquisa publicada no país revela que a maioria dos italianos acredita que as organizações criminosas e a corrupção se aproveitam das dificuldades econômicas causadas pela Covid-19.

Gina Marques, correspondente da RFI em Roma
Na Itália, as máfias sempre lucraram com as calamidades. A pandemia da Covid-19 no país enfraqueceu a situação econômica das famílias e empresas, provocou retração do consumo, além de impor restrições às atividades.
As ajudas financeiras prometidas pelo governo italiano demoram a chegar e os bancos temporizam a autorizar empréstimos modestos.
Diversos empresários se sentem com a corda no pescoço e, como tentativa de salvação, recorrem aos agiotas. O deterioramento das finanças representa um prato cheio para as máfias, prontas a lavar dinheiro sujo ocupando qualquer espaço vazio na economia legal.
Juros de 250%
O jornal Corriere della Sera mostrou recentemente o caso da empresa de Stefano Maioli especializada em sistemas para poupar o consumo de energia na construção. Desde 1994, ela realizou vários projetos no norte da Itália.
Com o início da pandemia em março, os clientes não tinham mais como pagar, mas era necessário saldar os salários de 15 funcionários, solver contas e fornecedores. O empresário solicitou um empréstimo ao banco, mas não obteve imediatamente a resposta que precisava. Assim, acabou pedindo para um agiota ligado ao clã Casalesi da Camorra, a máfia napolitana, que cobrou juros de 250%. Uma história semelhante à de muitos empresários, mas poucos conseguiram relatar.
Para as máfias italianas, a agiotagem é duplamente lucrativa. Serve para lavar o dinheiro sujo do tráfico de drogas, armas e outras atividades ilegais, além de aumentar seu capital com juros vertiginosos fruto de empréstimos predatórios. Em muitos casos, se a pessoa não consegue quitar a dívida com o agiota passa a ser vítima de extorsão, ou seja, obrigada por meio de ameaça ou violência a ter um determinado comportamento que traga vantagens ao usurário.
O general Alessandro Barbera, chefe do Serviço Central de Investigação sobre a Criminalidade Organizada (SCICO) da Guarda de Finanças, declarou que
“se por um lado a propagação da pandemia coloca em risco a sobrevivência de muitas empresas no mercado, por outro ela representa uma grande oportunidade para as organizações mafiosas investirem o seu capital ilícito, com o objetivo de reciclá-lo em empresas com dificuldades de liquidez”.
Pandemia: agiotagem cresce e outros crimes diminuem
Um relatório recente do ministério do Interior italiano revela que nos seis primeiros meses de 2020 todos os crimes contra o patrimônio caíram, com exceção da agiotagem e dos golpes pela internet. Houve redução dos furtos (- 41,6 %), dos assaltos (-31,1%), das falsificações (-50,1%) e de outros delitos. Já as fraudes informáticas cresceram 12%, enquanto a agiotagem aumentou 6,5% em relação ao mesmo período de 2019.
Nos primeiros seis meses de 2020, a Unidade de Inteligência Financeira do Banco da Itália (Banco Central italiano) recebeu 52.558 notificações de suspeita de lavagem de dinheiro, um crescimento de 4,7% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Neste ano de pandemia, cresceu também o número de empresas suspeitas de serem controladas ou condicionadas por organizações criminosas. Nos primeiros nove meses de 2020, o ministério do Interior registrou 1.637. No mesmo período de 2019, foram 1.541 suspeitas. O número é um indicativo da presença mafiosa no setor empresarial. Na liderança estão as regiões da Campânia e Calábria. Pela primeira vez, a Emília-Romanha, no norte, alcançou o terceiro lugar, superando a Sicília.
Percepção dos italianos
De acordo com a pesquisa da associação Libera, realizada pelo Instituto Demos, 7 em cada 10 italianos pensam que por causa da Covid as máfias estão aumentando seu poder, enquanto a corrupção está se espalhando cada vez mais pelo país. A pesquisa revelou também que os trabalhadores autônomos estão mais atentos que outras categorias. Eles demonstram ter um grau de percepção de 80% superior em relação a corrupção e ao crime organizado.
O estudo destaca que a atenção para a infiltração das máfias é particularmente aguda no Norte do país, especialmente no Noroeste, enquanto no Nordeste há uma maior sensibilidade para o fenômeno da corrupção. Já nas regiões do Sul e nas Ilhas, os entrevistados têm uma percepção igual dos dois fenômenos (máfia e corrupção).
Infiltração mafiosa
As investigações da Guarda de Finanças mostram a rapidez com que se desencadearam o interesse das máfias pelas ajudas econômicas do governo destinadas à superar as consequências da pandemia. Este ano ocorreram várias operações policiais no país.
Em Nápoles os investigadores descobriram que foram entregues ao clã camorrista de Vinella Grassi alguns contratos de saneamento locais, sete pessoas foram detidas em maio passado.
Em Veneza e Turim foram reveladas tentativas de corrupção. No centro dos interesses ilícitos estavam os serviços de limpeza e saneamento necessários para a profilaxia de epidemias.
Em julho passado em Milão, oito pessoas acabaram presas, algumas delas ligadas máfia calabresa, a 'Ndrangheta. Elas tentavam fraudar os auxílios emergenciais que estabelecem a redução de impostos para as empresas. Corrupções e fraudes também apareceram em investigações em Ancona, Palermo e Régio Calábria.
Em 5 meses, 43.688 empresas italianas mudaram de proprietário
Em um período de grave crise como a atual, muitos empresários vendem seus estabelecimentos. A mudança de propriedade é uma fase delicada que pode ocultar interesses criminosos. Um recente estudo publicado pela Transcrime -Università Cattolica di Milano, com base no banco de dados do Bureau Van Dijk, analisou as vendas de empresas italianas nos últimos meses.
As transações não aumentaram em comparação com o ano passado, na verdade, houve um declínio. Ainda assim, é significativo que de abril a setembro, 43.688 empresas mudaram de dono.
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