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Brasil não é prioridade para Trump, que leva à Ásia equipe estratégica para encontro decisivo com Xi Jinping

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Donald Trump e Xi Jinping se reúnem na próxima quinta-feira (30), na Coreia do Sul, durante a Cúpula da Apec. É o primeiro encontro presencial entre os dois desde o retorno do republicano à Casa Branca, marcado por tensões comerciais e rivalidade no Indo-Pacífico. O encontro é visto como decisivo para as relações entre Washington e Pequim. Trump poderá também abrir um novo capítulo diplomático com Brasília, mesmo que essa não seja a prioridade do presidente dos EUA neste giro pela Ásia.

Donald Trump na Casa Branca, em Washington, em 23 outubro de 2025.
Donald Trump na Casa Branca, em Washington, em 23 outubro de 2025. AP - Evan Vucci
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Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York.

Assim como vários especialistas alertaram logo após o primeiro encontro entre Lula e Trump durante a Assembleia Geral da ONU, o Brasil não é hoje uma prioridade para o presidente americano.

Enquanto Brasília aguarda a confirmação da reunião bilateral na Malásia, a única agenda garantida e também a maior preocupação da Casa Branca é o encontro com o presidente chinês Xi Jinping, visto em Washington como decisivo para definir os rumos econômicos e estratégicos dos Estados Unidos na região do Indo-Pacífico.

Segundo a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, Trump deixa Washington na noite desta sexta-feira, às 23h no horário local. A primeira parada será na Malásia, onde se reúne no domingo (26) com o primeiro-ministro local, antes de participar do jantar de líderes da Asean, a Associação das Nações do Sudeste Asiático. Depois, o presidente americano segue para o Japão e, em seguida, para a Coreia do Sul, onde acontece o encontro de alto nível com Xi Jinping.

De acordo com fontes do governo brasileiro, há expectativa de que uma reunião entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa ocorrer durante a passagem pela Malásia, possivelmente também no domingo. Mas a porta-voz da Casa Branca não incluiu esse encontro na agenda oficial divulgada até agora.

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Durante conversa com jornalistas a bordo do Air Force One, Trump afirmou que tem uma “relação muito boa com o presidente Xi” e que acredita em um acordo abrangente com a China. Segundo ele, a pauta deve incluir comércio, energia nuclear e também temas delicados, como a compra chinesa de petróleo russo e a guerra na Ucrânia. Trump disse ainda: “Acho que vamos acabar tendo um acordo fantástico com a China, e vai ser fantástico para o mundo inteiro.”

O republicano também se declarou disposto a reduzir tarifas sobre produtos chineses, mas ressaltou que Pequim precisará “dar algo em troca”, como comprar mais soja americana, reduzir o fluxo de insumos usados na produção de fentanil e encerrar restrições sobre minerais raros, essenciais para a indústria de alta tecnologia.

Comitiva de Washington

A comitiva que acompanha Donald Trump nesta viagem à Ásia é considerada uma das mais estratégicas de seu novo mandato, reunindo os principais nomes da política externa e econômica dos Estados Unidos.

O secretário de Estado, Marco Rubio, participa da mesma rota — com paradas na Malásia, Japão e Coreia do Sul entre os dias 22 e 30 de outubro.

Antes disso, Rubio passou por Israel, onde reafirmou o apoio do governo americano à implementação do Plano Abrangente para o Fim do Conflito em Gaza, proposto por Trump e descrito pelo Departamento de Estado como um esforço histórico de “integração e paz duradoura no Oriente Médio”.

Depois do Oriente Médio, o secretário deve se juntar à delegação presidencial na Cúpula da Asean, em Kuala Lumpur, e seguir para a Semana de Líderes Econômicos da Apec, na Coreia do Sul.

Segundo comunicado oficial, a meta é “promover a cooperação e fortalecer os laços com os parceiros do Indo-Pacífico”, com foco em comércio e segurança regional.

Outro nome confirmado é o representante comercial dos Estados Unidos, Jamieson Greer, que também viajará à Malásia, Japão e Coreia do Sul. Greer foi o mesmo que se reuniu recentemente, em Washington, com o chanceler brasileiro Mauro Vieira, em um encontro preparatório para uma possível bilateral entre os dois países.

Em declarações recentes, Greer afirmou que as tarifas de 50% impostas aos produtos brasileiros foram uma forma de retaliação por questões ligadas ao Estado de Direito, à censura e aos direitos humanos.

Sem citar diretamente o Supremo, ele mencionou o ministro Alexandre de Moraes, dizendo que um juiz brasileiro teria “censurado empresas americanas por meio de ordens secretas”, com o objetivo de controlar o fluxo de informações relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Além de Rubio e Greer, integram a comitiva o secretário do Tesouro, Scott Bessent, e assessores de alto escalão da Casa Branca, incluindo membros do Conselho de Segurança Nacional.

Questionada pela PBS sobre os detalhes da agenda, a porta-voz da Casa Branca, Anna Kelly, limitou-se a dizer que o presidente participará de “reuniões e eventos que resultarão em grandes acordos para o país”, e completou: “Fiquem atentos.”

As expectativas do governo brasileiro

O governo brasileiro vê com grande expectativa a possibilidade de um encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente americano Donald Trump, previsto para o domingo, dia 26, na Malásia, à margem da cúpula da Asean, a Associação das Nações do Sudeste Asiático.

Segundo fontes do Itamaraty, a reunião ainda é tratada com cautela, mas é vista como um passo importante para reabrir o diálogo e tentar reduzir as tarifas impostas aos produtos brasileiros desde o início do novo governo Trump.

O encontro vem sendo articulado há semanas por diplomatas dos dois países, desde a conversa informal entre Lula e Trump durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York.

Na primeira ligação telefônica entre os dois, Lula apresentou três alternativas de reunião: um convite para a COP30 em Belém, uma visita bilateral em separado ou um encontro mais breve na Malásia.

Trump escolheu a terceira opção, a mais imediata — e, para o governo brasileiro, a que oferece maior chance de resultados concretos ainda neste semestre.

Assessores de Lula afirmam que o presidente pretende deixar claro que o Brasil está disposto a negociar, mas que não aceitará discutir decisões do Judiciário brasileiro, em referência aos processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Essa linha vermelha é tratada em Brasília como uma questão de soberania e defesa da democracia.

A polêmica do Pix

Entre os temas que devem aparecer na conversa estão a regulamentação das plataformas digitais, que o governo brasileiro tenta aprovar no Congresso, e a investigação aberta pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) sobre o Pix, sob o argumento de que o sistema brasileiro de pagamentos cria barreiras de mercado para empresas americanas.

Outro ponto que pode entrar na pauta é a situação da plataforma Rumble, bloqueada no Brasil desde fevereiro, e que se tornou símbolo da pressão americana por mais abertura no setor digital.

Nos bastidores, integrantes da diplomacia brasileira avaliam que a reunião pode redefinir o tom da relação entre Lula e Trump, marcada até agora por desconfiança mútua, mas também por interesse recíproco em destravar o comércio e reduzir tensões políticas.

Lula deve citar crise diplomática entre EUA e Venezuela

De acordo com diplomatas brasileiros, a escalada contra a Venezuela deve ser trazida durante o encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, previsto para ocorrer na Malásia. O presidente brasileiro planeja comentar a crise venezuelana em tom de alerta, segundo fontes do Palácio do Planalto.

Lula quer deixar claro a Trump que uma intervenção militar americana na Venezuela teria efeito desestabilizador em toda a região, criando um ambiente mais propício à expansão do narcotráfico e à migração forçada.

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De acordo com fontes diplomáticas, o governo brasileiro tem sido extremamente cauteloso por ainda não ter clareza total sobre os objetivos da Casa Branca. Há dúvidas, inclusive, sobre se Washington e Caracas mantêm algum canal de diálogo ativo após o bombardeio que resultou em 37 mortes e destruiu nove embarcações, sendo sete venezuelanas e duas colombianas.

O Brasil admite atuar como mediador na crise, mas apenas se houver manifestação de interesse de ambas as partes. Até agora, o governo brasileiro não se ofereceu formalmente para esse papel.

Enquanto isso, Trump autorizou operações secretas da CIA em território venezuelano e admitiu avaliar ataques terrestres contra cartéis de drogas — uma medida que, para especialistas, ampliaria a tensão geopolítica no continente.

Em discurso recente, no último dia 20, no Palácio do Itamaraty, Lula reafirmou a posição brasileira: “Manter a América Latina e o Caribe como zona de paz é prioridade do Brasil. Intervenções estrangeiras podem causar danos maiores do que os que se pretende evitar.”

Sem citar diretamente os Estados Unidos ou a Venezuela, Lula destacou que a região vive um momento de “polarização e instabilidade crescente”, o que reforça, segundo ele, a necessidade de diálogo e prudência diplomática.

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