Brasil não é prioridade para Trump, que leva à Ásia equipe estratégica para encontro decisivo com Xi Jinping
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Donald Trump e Xi Jinping se reúnem na próxima quinta-feira (30), na Coreia do Sul, durante a Cúpula da Apec. É o primeiro encontro presencial entre os dois desde o retorno do republicano à Casa Branca, marcado por tensões comerciais e rivalidade no Indo-Pacífico. O encontro é visto como decisivo para as relações entre Washington e Pequim. Trump poderá também abrir um novo capítulo diplomático com Brasília, mesmo que essa não seja a prioridade do presidente dos EUA neste giro pela Ásia.

Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York.
Assim como vários especialistas alertaram logo após o primeiro encontro entre Lula e Trump durante a Assembleia Geral da ONU, o Brasil não é hoje uma prioridade para o presidente americano.
Enquanto Brasília aguarda a confirmação da reunião bilateral na Malásia, a única agenda garantida e também a maior preocupação da Casa Branca é o encontro com o presidente chinês Xi Jinping, visto em Washington como decisivo para definir os rumos econômicos e estratégicos dos Estados Unidos na região do Indo-Pacífico.
Segundo a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, Trump deixa Washington na noite desta sexta-feira, às 23h no horário local. A primeira parada será na Malásia, onde se reúne no domingo (26) com o primeiro-ministro local, antes de participar do jantar de líderes da Asean, a Associação das Nações do Sudeste Asiático. Depois, o presidente americano segue para o Japão e, em seguida, para a Coreia do Sul, onde acontece o encontro de alto nível com Xi Jinping.
De acordo com fontes do governo brasileiro, há expectativa de que uma reunião entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa ocorrer durante a passagem pela Malásia, possivelmente também no domingo. Mas a porta-voz da Casa Branca não incluiu esse encontro na agenda oficial divulgada até agora.
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Durante conversa com jornalistas a bordo do Air Force One, Trump afirmou que tem uma “relação muito boa com o presidente Xi” e que acredita em um acordo abrangente com a China. Segundo ele, a pauta deve incluir comércio, energia nuclear e também temas delicados, como a compra chinesa de petróleo russo e a guerra na Ucrânia. Trump disse ainda: “Acho que vamos acabar tendo um acordo fantástico com a China, e vai ser fantástico para o mundo inteiro.”
O republicano também se declarou disposto a reduzir tarifas sobre produtos chineses, mas ressaltou que Pequim precisará “dar algo em troca”, como comprar mais soja americana, reduzir o fluxo de insumos usados na produção de fentanil e encerrar restrições sobre minerais raros, essenciais para a indústria de alta tecnologia.
Comitiva de Washington
A comitiva que acompanha Donald Trump nesta viagem à Ásia é considerada uma das mais estratégicas de seu novo mandato, reunindo os principais nomes da política externa e econômica dos Estados Unidos.
O secretário de Estado, Marco Rubio, participa da mesma rota — com paradas na Malásia, Japão e Coreia do Sul entre os dias 22 e 30 de outubro.
Antes disso, Rubio passou por Israel, onde reafirmou o apoio do governo americano à implementação do Plano Abrangente para o Fim do Conflito em Gaza, proposto por Trump e descrito pelo Departamento de Estado como um esforço histórico de “integração e paz duradoura no Oriente Médio”.
Depois do Oriente Médio, o secretário deve se juntar à delegação presidencial na Cúpula da Asean, em Kuala Lumpur, e seguir para a Semana de Líderes Econômicos da Apec, na Coreia do Sul.
Segundo comunicado oficial, a meta é “promover a cooperação e fortalecer os laços com os parceiros do Indo-Pacífico”, com foco em comércio e segurança regional.
Outro nome confirmado é o representante comercial dos Estados Unidos, Jamieson Greer, que também viajará à Malásia, Japão e Coreia do Sul. Greer foi o mesmo que se reuniu recentemente, em Washington, com o chanceler brasileiro Mauro Vieira, em um encontro preparatório para uma possível bilateral entre os dois países.
Em declarações recentes, Greer afirmou que as tarifas de 50% impostas aos produtos brasileiros foram uma forma de retaliação por questões ligadas ao Estado de Direito, à censura e aos direitos humanos.
Sem citar diretamente o Supremo, ele mencionou o ministro Alexandre de Moraes, dizendo que um juiz brasileiro teria “censurado empresas americanas por meio de ordens secretas”, com o objetivo de controlar o fluxo de informações relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Além de Rubio e Greer, integram a comitiva o secretário do Tesouro, Scott Bessent, e assessores de alto escalão da Casa Branca, incluindo membros do Conselho de Segurança Nacional.
Questionada pela PBS sobre os detalhes da agenda, a porta-voz da Casa Branca, Anna Kelly, limitou-se a dizer que o presidente participará de “reuniões e eventos que resultarão em grandes acordos para o país”, e completou: “Fiquem atentos.”
As expectativas do governo brasileiro
O governo brasileiro vê com grande expectativa a possibilidade de um encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente americano Donald Trump, previsto para o domingo, dia 26, na Malásia, à margem da cúpula da Asean, a Associação das Nações do Sudeste Asiático.
Segundo fontes do Itamaraty, a reunião ainda é tratada com cautela, mas é vista como um passo importante para reabrir o diálogo e tentar reduzir as tarifas impostas aos produtos brasileiros desde o início do novo governo Trump.
O encontro vem sendo articulado há semanas por diplomatas dos dois países, desde a conversa informal entre Lula e Trump durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York.
Na primeira ligação telefônica entre os dois, Lula apresentou três alternativas de reunião: um convite para a COP30 em Belém, uma visita bilateral em separado ou um encontro mais breve na Malásia.
Trump escolheu a terceira opção, a mais imediata — e, para o governo brasileiro, a que oferece maior chance de resultados concretos ainda neste semestre.
Assessores de Lula afirmam que o presidente pretende deixar claro que o Brasil está disposto a negociar, mas que não aceitará discutir decisões do Judiciário brasileiro, em referência aos processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Essa linha vermelha é tratada em Brasília como uma questão de soberania e defesa da democracia.
A polêmica do Pix
Entre os temas que devem aparecer na conversa estão a regulamentação das plataformas digitais, que o governo brasileiro tenta aprovar no Congresso, e a investigação aberta pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) sobre o Pix, sob o argumento de que o sistema brasileiro de pagamentos cria barreiras de mercado para empresas americanas.
Outro ponto que pode entrar na pauta é a situação da plataforma Rumble, bloqueada no Brasil desde fevereiro, e que se tornou símbolo da pressão americana por mais abertura no setor digital.
Nos bastidores, integrantes da diplomacia brasileira avaliam que a reunião pode redefinir o tom da relação entre Lula e Trump, marcada até agora por desconfiança mútua, mas também por interesse recíproco em destravar o comércio e reduzir tensões políticas.
Lula deve citar crise diplomática entre EUA e Venezuela
De acordo com diplomatas brasileiros, a escalada contra a Venezuela deve ser trazida durante o encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, previsto para ocorrer na Malásia. O presidente brasileiro planeja comentar a crise venezuelana em tom de alerta, segundo fontes do Palácio do Planalto.
Lula quer deixar claro a Trump que uma intervenção militar americana na Venezuela teria efeito desestabilizador em toda a região, criando um ambiente mais propício à expansão do narcotráfico e à migração forçada.
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De acordo com fontes diplomáticas, o governo brasileiro tem sido extremamente cauteloso por ainda não ter clareza total sobre os objetivos da Casa Branca. Há dúvidas, inclusive, sobre se Washington e Caracas mantêm algum canal de diálogo ativo após o bombardeio que resultou em 37 mortes e destruiu nove embarcações, sendo sete venezuelanas e duas colombianas.
O Brasil admite atuar como mediador na crise, mas apenas se houver manifestação de interesse de ambas as partes. Até agora, o governo brasileiro não se ofereceu formalmente para esse papel.
Enquanto isso, Trump autorizou operações secretas da CIA em território venezuelano e admitiu avaliar ataques terrestres contra cartéis de drogas — uma medida que, para especialistas, ampliaria a tensão geopolítica no continente.
Em discurso recente, no último dia 20, no Palácio do Itamaraty, Lula reafirmou a posição brasileira: “Manter a América Latina e o Caribe como zona de paz é prioridade do Brasil. Intervenções estrangeiras podem causar danos maiores do que os que se pretende evitar.”
Sem citar diretamente os Estados Unidos ou a Venezuela, Lula destacou que a região vive um momento de “polarização e instabilidade crescente”, o que reforça, segundo ele, a necessidade de diálogo e prudência diplomática.
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