Eleições legislativas na Argentina equivalem a ‘plebiscito’ para Milei, dizem analistas
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Os argentinos irão às urnas neste domingo (26) para participar das eleições legislativas. Eles renovarão metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado, mas o resultado funcionará, na prática, como um plebiscito sobre o governo do presidente Javier Milei.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
Até o começo de setembro, Milei tinha a esperança de reverter a sua condição de hiper minoria parlamentar e chegar próximo de conseguir maiorias para aprovar reformas estruturantes, necessárias para a chegada de investimentos, condição para o sucesso do seu plano econômico.
Essa expectativa de uma vitória arrasadora mudou depois das eleições provinciais de Buenos Aires. Agora o governo se contentará se obtiver um terço do Congresso.
Esse é o mínimo necessário para os governistas vetarem leis da oposição que atinjam o superávit fiscal e para evitar eventuais processos de destituição, sobretudo a partir de denúncias de corrupção.
Governabilidade
As eleições definirão a governabilidade do presidente argentino nos próximos dois anos e sua capacidade de implementar reformas econômicas. O pleito também definirá "as possibilidades de o Peronismo voltar a ser uma alternativa de poder", diz Cristian Buttié, da CB Consultores. "Os argentinos votam contra ou a favor de Milei como principal vetor, e contra ou a favor do peronismo/kirchnerismo como segundo vetor”, esclarece.
“Neste domingo, está em jogo se a sociedade argentina vai continuar a apoiar o governo, se vai continuar a ter paciência com o ajuste de Milei. No fundo, a disputa não é entre o governo e a oposição, mas entre o governo e amplas faixas da sociedade para as quais o superávit fiscal nas contas públicas tem significado déficit no orçamento de milhões de famílias”, diz o analista político Eduardo Fidanza, diretor da consultoria Poliarquia.
“Nesta eleição, o Peronismo é um instrumento de castigo. Os eleitores votam na oposição peronista basicamente para serem contra Milei”, acrescenta Fidanza.
O melhor cenário para o governo será a obtenção de mais de 40% dos votos e o pior, com maior turbulência nos mercados, será se Milei ficar com 30% ou menos.
“É uma cifra que os governos da Argentina e dos Estados Unidos consideram uma boa eleição, pois garante um terço do Parlamento para blindar os vetos de Milei”, acredita Fidanza, para quem Milei terá cerca de 35% dos votos válidos.
A analista Shila Vilker, diretora da consultora TresPuntoZero, faz o mesmo cálculo, mas ressalta que parte desse voto em Milei vem de eleitores que não querem o retorno ao passado peronista, embora critiquem as consequências do ajuste fiscal. “Vejo o governo com mais dificuldade para mobilizar esse voto. A abstenção pode alterar as projeções”, diz.
Buttié projeta 40,8% para Milei e a consultoria brasileira AtlasIntel aposta que o presidente terá 41,1% dos votos. Os cenários indicam paridade com a oposição peronista. Todos calculam que o líder argentino conseguirá o mínimo de um terço do Congresso, mas ficará longe da maioria necessária para aprovar reformas.
O maior desafio, a partir de segunda-feira (27), será construir uma articulação política com os governadores. “Com 35% dos votos, será um governo relativamente fraco. A oposição elevará o preço das exigências para oferecer apoio. A pergunta é se essa articulação política com os governadores não custará o superávit fiscal de Milei”, questiona Fidanza.
Milei iniciou seu governo com apenas 15% da Câmara dos Deputados e 10% do Senado. Dos 39 deputados iniciais (de um total de 257), ele perdeu 14 e ficou com apenas 25. Dos sete senadores (de 72), perdeu um, restando apenas seis.
Desgaste pelo ajuste fiscal e pela corrupção
Os argentinos votarão num momento em que o ajuste fiscal do presidente Milei começa a afetar diretamente o bolso da população.
Como âncora para combater a inflação, sua principal bandeira política, Milei manteve o valor do peso argentino artificialmente valorizado. Para isso, utilizou recursos financeiros de um programa de regularização de capitais, de um empréstimo do FMI e agora de um socorro do Tesouro americano, enquanto a economia perdia competitividade.
A inflação continua girando em torno de 2% ao mês. A recessão tem causado estragos e desde que Milei assumiu, em média, 28 empresas fecham por dia (16.322 entre dezembro de 2023 e junho de 2025), 236 mil empregos registrados foram destruídos, e 86% das pessoas dizem que o salário não cobre o mês inteiro.
O presidente vangloria-se de aplicar “o maior ajuste fiscal da história”, equivalente a 5% do Produto Interno Bruto desde o primeiro mês de governo.
Na campanha eleitoral de 2023, Milei prometia fazer “a casta política” pagar o preço do ajuste. No entanto, os cortes atingiram salários públicos e setores vulneráveis da sociedade, como aposentados, médicos pediatras, professores universitários e pessoas com deficiência.
“Todos os atores econômicos acreditam que haverá uma desvalorização da moeda, mas, particularmente, não vejo risco de corrida cambial porque os fundamentos macroeconômicos estão sólidos, há restrição na circulação de pesos e temos o Tesouro norte-americano apoiando o governo. Não faz sentido uma corrida contra o peso quando o governo tem a munição dos Estados Unidos”, avalia à RFI o economista Gustavo Pérego, diretor da Abeceb Consultores, uma referência no país.
Se o governo obtiver 36% dos votos, isso será fantástico para o mercado. Se ficar abaixo, haverá incerteza e instabilidade. Se o resultado eleitoral for ruim para o governo, haverá maior pressão por uma desvalorização”, prevê.
Outro elemento que pesa na decisão de voto são os casos de corrupção. No início do mês, o principal candidato de Milei para as eleições legislativas, José Luis Espert, renunciou à candidatura após a confirmação de vínculos com um empresário acusado de tráfico de drogas nos Estados Unidos.
Na agência para pessoas com deficiência, foi descoberto um esquema de corrupção que encarecia em pelo menos 8% a compra de medicamentos. Desse desvio, 3% seriam destinados a Karina Milei, secretária-geral da Presidência, braço direito e irmã do presidente. “Tudo isso gera o chamado voto de punição em Milei”, define Shila Vilker.
Efeito Trump
Em 7 de setembro, a província de Buenos Aires (que não inclui a capital homônima) impôs uma dura derrota ao governo Milei. Na região onde vivem 38% dos eleitores do país, a oposição peronista obteve uma vantagem de 13,6 pontos sobre os candidatos governistas. Nas últimas 10 eleições provinciais, Milei perdeu oito.
A eleição em Buenos Aires foi apenas provincial, mas acendeu o alerta para o governo e para os agentes econômicos sobre o que pode ocorrer nas legislativas nacionais do próximo domingo.
A perda de confiança no governo acelerou uma corrida cambial contra o peso argentino, parcialmente contida em 22 de setembro, após o presidente Donald Trump anunciar que “faria o que fosse necessário” para ajudar Javier Milei nas eleições.
“Quando perguntamos sobre esse assunto, metade diz ser contra; metade a favor. Mas a maioria afirma que essa intervenção dos Estados Unidos não mudará seu voto. O que está claro é que essa intervenção de Trump transformou uma eleição local em um fenômeno mundial”, ressalta Eduardo Fidanza.
“Trump aposta muito nestas eleições porque, se Milei fracassar, isso afeta seu prestígio. Se seu principal discípulo mundial tiver sucesso, torna-se um farol para outras eleições em países da região onde a extrema-direita disputa com a esquerda”, observa.
No entanto, em 14 de outubro, Trump esclareceu que o socorro financeiro estava condicionado a um bom desempenho de Milei nas urnas.
Para muitos, essa advertência de Trump e o receio de que o peronismo possa voltar ao poder geraram o chamado “voto do medo”, que beneficia Milei.
“Sem o resgate financeiro de Trump, a economia teria implodido, prejudicando Milei. Isso, sim, teria impacto. As pessoas entendem que, se a economia colapsar, este governo cai e o peronismo/kirchnerismo volta ao poder. As declarações de Trump, então, ajudaram Milei porque criaram o ‘voto do medo’. É um voto muito mais emocional do que racional”, conclui Cristian Buttié.
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