Chile: Assembleia Constituinte vota primeiros artigos da nova carta magna do país
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A Assembleia Constituinte do Chile corre contra o tempo para votar os 1.275 artigos propostos pelos seus próprios membros e os cidadãos em geral. O trabalho deve terminar em cinco meses. O cronograma é apertado e a última terça-feira (15) foi marcada pela primeira votação em plenário geral. Durante a sessão, foram votados os primeiros 16 artigos que contém as bases do novo sistema de justiça chileno.

Camila Viegas, correspondente da RFI em Santiago
Uma longa sessão marcou a última terça-feira (15) na Assembleia Constituinte chilena. O órgão, criado no dia 4 de julho do ano passado, com a missão de redigir uma nova carta magna para o país, após um referendo, votou o primeiro pacote de artigos de forma geral em plenário, ou seja, com os votos de todos os 154 constituintes. O debate foi iniciado por volta das 15h e só terminou com o final da votação, por volta da meia-noite e meia desta quarta-feira (16).
Foram expostos para votação em plenário dezesseis artigos que ditam as bases do novo sistema de justiça nacional. Somente dois deles foram reprovados. Estes artigos fazem parte do informe da Comissão de Sistemas de Justiça da Assembleia Constituinte, que foi a primeira comissão temática do órgão a apresentar um compilado para ser avaliado e votado por todos os membros.
Antes da votação, um grupo de cerca de 50 constituintes solicitou para que fosse reavaliada a mecânica de votação, que estabelece o quórum de ⅔ dos constituintes para aprovar ou vetar os artigos. O pedido foi negado pela presidenta do órgão María Elisa Quinteros, que disse: “Respeitaremos a decisão que está de acordo com o regulamento que aprovamos anteriormente”.
Como previsto pelos coordenadores da Comissão de Sistemas de Justiça, um dos artigos que mais gerou discussão foi o referente ao conceito de pluralidade jurídica, que cria espaço para um sistema jurídico indígena paralelo ao tradicional. Este artigo foi aprovado por 114 votos a favor dos constituintes.
“A questão do pluralismo jurídico talvez seja a questão que mereça maior discussão porque estamos numa fase de escrever apenas o primeiro capítulo (...) como eles vão coordenar os dois sistemas jurídicos é algo que ainda não conseguimos entrar em detalhes”, explicou Vanesa Hoppe, coordenadora da referida comissão.
Os dois artigos que mais receberam votos a favor foram os de número 16 e 12, que versam respectivamente sobre obrigação do Estado em criar mecanismos colaborativos para resolução de conflitos e sobre a garantia de transparência e de acesso à informação do sistema judicial.

Proposições e cronograma
Até o dia 1º de fevereiro deste ano, tanto os membros da Assembleia, quanto os cidadãos em geral puderam propor artigos à nova constituição. Os primeiros apresentaram 947 artigos, enquanto os últimos propuseram 78. Além disso, a estas propostas se somam 250 artigos encaminhados pelos constituintes pertencentes aos povos originários da Assembleia.
No total, deverão ser votados os textos que propõem a criação de 1.275 artigos. Nesta fase, todos os artigos deverão ser votados em plenário geral e depois poderão ou não voltar às suas comissões de origem para serem modificados ou até mesmo descartados. Para ser aprovado, cada artigo precisa do voto positivo de ⅔ o total de constituintes, ou seja 103 votos a favor do total de 154 membros.
O prazo é apertado, já que os constituintes precisam votar os mais de 1.200 artigos em plenário até o dia 4 de julho, data na qual o texto da nova carta magna deverá estar finalizado para que seja votado no chamado “plebiscito de saída”, que aprovará ou não o texto da nova constituição em setembro.
O atual Vice Presidente da Assembleia, Gaspar Dominguez, explicou: “Nas próximas semanas teremos plenário de votação terça, quarta e quinta-feiras, durante o período da tarde; e às sextas-feiras, as votações ocorrem no período da manhã. Isso até o total despacho de todos os artigos”.
O procedimento de votação no plenário é longo e prevê em cada dia de votação a apresentação dos informes de cada comissão temática e os artigos que devem ser votados por todos os constituintes. Depois, cada membro da Assembleia tem três minutos de fala. Cada jornada de votação não deveria passar as 8 horas de duração.
Nesta quarta-feira (16), devem ser votados os artigos que ditarão o novo sistema político nacional, que são cerca de 36. Uma das propostas sugere que o Chile seja um Estado Regional, plurinacional e intercultural formado por entidades territoriais autônomas. Na prática, isso descentraliza o poder na figura do presidente da república e propõe a criação de governos regionais mais fortes.
Protestos
Mesmo após mudanças significativas em 1989 e 2005, a atual constituição em vigor no Chile ainda continua sendo uma herança da ditadura militar, cujo texto entrou em vigor em 1980 sob as ordens do ditador Augusto Pinochet. Os protestos sociais de 18 de outubro de 2019 resultaram em um acordo de paz entre a classe política chilena, que abriu os caminhos para um decreto presidencial, assinado pelo presidente Sebastián Piñera, determinando uma consulta cidadã sobre uma nova constituição para o país.
No dia 25 de outubro de 2020, foi realizado um plebiscito nacional, onde os chilenos votaram se queriam ou não que fosse redigida uma nova carta magna para o país. O “aprovo” ganhou o “rejeito” por 78,27% da preferência dos votos, enquanto que o modelo de assembleia constituinte foi escolhido como órgão encarregado para redigir o novo texto com 78,99% dos votos, em detrimento do modelo de convenção mista.
O modelo de Assembleia Constituinte previa que os 155 membros seriam escolhidos por votação popular entre os todos os cidadãos do país, políticos ou não, que se candidatassem a uma vaga, levando em consideração os distritos eleitorais já estabelecidos nos processos eletivos anteriores.
Das 155 cadeiras, 17 delas seriam destinadas exclusivamente para representantes dos povos originários do Chile, sendo a etnia indígena Mapuche o povo com maior representação proporcional dentre estas vagas. A Assembleia Constituinte também seria composta obedecendo o princípio da paridade de gênero, ou seja, 50% dos membros são homens e 50% são mulheres.
Dessa forma, nos dias 15 e 16 de maio de 2021, ocorreu o que ficou conhecido através da imprensa chilena como uma “mega eleição”. Nesta data, os chilenos foram às urnas não somente para escolher os 155 constituintes, mas também governadores regionais, prefeitos e conselheiros.
Assim se formou a atual Assembleia Constituinte que hoje tem 154 membros, já que um de seus integrantes eleitos, Rodrigo Rojas, renunciou ao seu cargo em setembro do ano passado após ter mentido sobre estar em tratamento contra o câncer.
Opinião pública
É nesse cenário de corre-corre com relação à aprovação dos artigos que a Assembleia Constituinte enfrenta uma forte queda de aprovação cidadã. De acordo com uma pesquisa divulgada pela consultoria Cadem em 13 de fevereiro, a confiança no órgão caiu 9 pontos percentuais na última semana, chegando a marcar 50%. Dentre as pessoas ouvidas pela pesquisa, 48% declararam não confiar no trabalho do órgão.
Com respeito ao plebiscito de saída da nova constituição, o percentual de pessoas que diziam ser favoráveis à aprovação caiu de 56% para 47%. Do contrário, o percentual de pessoas que diziam que provavelmente não devem aprovar o novo texto subiu de 33% para 38%.
A pesquisa ouviu homens e mulheres, nas dezesseis regiões do país, entre 9 e 11 de fevereiro. O estudo tem margem de erro de 3,7%, para mais ou para menos, e taxa de confiança de 95%.
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