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Socialista e muçulmano, Zohran Mamdani pode fazer história se for eleito prefeito de Nova York

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Zohran Mamdani, um socialista democrata, filho de imigrantes e muçulmano, surpreendeu ao derrotar Andrew Cuomo nas primárias democratas para a prefeitura de Nova York na última terça-feira (24). Com uma campanha fortemente ancorada nas redes sociais e no corpo a corpo com o eleitor, Mamdani foi chamado pela renomada publicação The New Yorker, de milagre nova-iorquino.

Zohran Mamdani durante uma festa de comemoração de sua eleição primária, que inclui sua candidatura a prefeito da cidade de Nova York nas próximas eleições de novembro de 2025, em Nova York, EUA, em 25 de junho de 2025.
Zohran Mamdani durante uma festa de comemoração de sua eleição primária, que inclui sua candidatura a prefeito da cidade de Nova York nas próximas eleições de novembro de 2025, em Nova York, EUA, em 25 de junho de 2025. REUTERS - David Delgado
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Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York

Sua precisão ao comunicar um plano de governo com foco no custo de vida e em políticas sociais fez dele um símbolo de renovação dentro do Partido Democrata. Sua candidatura vem sacudindo alianças tradicionais e expondo divisões até mesmo dentro da influente comunidade judaica da cidade.

Quem é Zorhan Mamdani

Zorhan Mamdani tem 33 anos, é socialista democrata e possui apenas quatro anos de experiência em cargos públicos. Ainda assim, conseguiu uma vitória histórica nas primárias do Partido Democrata para a Prefeitura de Nova York. E mais: derrotou ninguém menos que Andrew Cuomo, ex-governador do estado e um dos nomes mais tradicionais da política americana.

Essa vitória é vista como um terremoto político — pois revela o grau da insatisfação dos eleitores democratas com o sistema atual, especialmente depois do retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.

Mamdani não era favorito. Em fevereiro, mal aparecia nas pesquisas. Mas cresceu rapidamente, impulsionado pela indignação com o alto custo de vida em Nova York e pela rejeição a figuras do establishment, como Cuomo, que tentou voltar à cena política mesmo após escândalos que o afastaram do poder há menos de quatro anos.

Se vencer em novembro, Mamdani se tornará o primeiro prefeito muçulmano e o primeiro nova-iorquino de origem sul-asiática a comandar a cidade. Um símbolo poderoso de mudança em uma Nova York cada vez mais diversa e politicamente inquieta.

Eleições acontecem em novembro

Embora Mamdani seja o favorito após vencer as primárias democratas, ele vai enfrentar pelo menos quatro candidatos na eleição geral de novembro — incluindo alguns nomes bem conhecidos.

Entre os adversários estão o republicano Curtis Sliwa, o atual prefeito Eric Adams, que tenta a reeleição agora como candidato independente, e até Andrew Cuomo, o mesmo que Mamdani derrotou nas primárias — mas que pode voltar à disputa por meio de uma legenda criada por sua própria campanha meses atrás.

Em Nova York, vencer a primária democrata costuma significar vitória quase certa na eleição geral, já que a cidade é majoritariamente democrata. Mas este ano, o cenário é diferente. A eleição deve ser decidida voto a voto, num cenário fragmentado e com um número bem maior de eleitores — incluindo os que não votaram nas primárias por não estarem filiados a nenhum partido.

Os votos finais da primária, com contagem por sistema de escolha ranqueada, só devem ser oficialmente certificados em meados de julho. Mas tudo indica que Mamdani será confirmado como o candidato oficial do Partido Democrata. A partir daí, começa a corrida de verdade rumo à prefeitura de Nova York.

Campanha centrada no custo de vida em NY

Mamdani conquistou os eleitores porque falou de um tema central para quem vive em Nova York: o bolso. Desde o início da campanha, ele colocou o custo de vida e a economia no centro do debate. Seu principal compromisso? Tornar a cidade mais acessível para a classe trabalhadora.

No site da campanha, ele já deixa claro: quer “reduzir o custo de vida para os nova-iorquinos da classe trabalhadora”. Entre suas propostas mais populares estão: ônibus gratuitos, congelamento de aluguéis, creches públicas sem custo, reforma no mercado imobiliário para ampliar o acesso à moradia e até supermercados públicos — tudo financiado por impostos sobre o 1% mais rico e grandes corporações.

Segundo analistas, Mamdani se destacou por falar de dinheiro do jeito que o povo fala — com exemplos do dia a dia, como o preço do aluguel, da feira e do transporte. Ele não ficou apenas nas teorias econômicas: desceu ao nível do cidadão comum.

Esse foco na economia é visto, até mesmo por democratas que não o apoiaram, como uma grande lição. Ele mostrou que, para conquistar a confiança do eleitor, é preciso falar da vida real — e propor soluções concretas e compreensíveis.

Divisão da comunidade judaica  

Mamdani é um crítico aberto da política de Israel e defensor do movimento BDS, que propõe boicote ao governo israelense. Mesmo assim, ele venceu as primárias democratas em Nova York, que é justamente a cidade com a maior população judaica do mundo fora de Israel.

Essa vitória revela uma ruptura crescente dentro do Partido Democrata — e também entre os próprios judeus americanos. Enquanto uma parte da comunidade continua apoiando candidatos mais alinhados a Israel, outra, especialmente entre os mais jovens e progressistas, começa a aceitar vozes mais críticas, como a de Mamdani.

Apesar das polêmicas, Mamdani conquistou o apoio de nomes importantes do próprio eleitorado judeu, como o vereador Brad Lander e até do deputado Jerrold Nadler, uma das figuras mais proeminentes da comunidade judaica em Nova York. Nadler declarou que os dois vão trabalhar juntos contra todas as formas de ódio e intolerância.

Essa mudança mostra que a política em Nova York — e nos Estados Unidos — está passando por uma transformação profunda, até mesmo em temas historicamente considerados intocáveis dentro do Partido Democrata.

Eventual vitória de Zorhan pode ser positiva para o Partido Democrata 

A vitória de Mamdani nas primárias democratas para a prefeitura de Nova York tem um peso que vai além da cidade. Ela representa um impulso poderoso para o setor mais progressista do Partido Democrata — aquele que vem pedindo há tempos que as lideranças mais antigas deem espaço para uma nova geração.

Mamdani fez campanha com um discurso abertamente progressista, desafiando o favoritismo de Andrew Cuomo, um político tradicional que apostava no pragmatismo para convencer os eleitores. E mesmo com o passado polêmico de Cuomo — que renunciou ao governo do estado em 2021 após denúncias de assédio sexual e má gestão da pandemia —, a vitória de Mamdani não foi apenas um reflexo disso, mas de um desejo real por renovação.

Ainda que o eleitorado nova-iorquino não represente todo o país — especialmente os distritos decisivos em estados-pêndulo —, a força de Mamdani já acendeu um alerta dentro do partido.

Como disse Lis Smith, estrategista democrata e ex-assessora de Pete Buttigieg, ao canal americano NBC: "Os eleitores estão cansados do mesmo de sempre, de candidatos velhos e sem inspiração sendo empurrados como a única opção. Eles querem mudança — e, se o partido não oferecer, vão procurar em outro lugar."

Durante seu discurso de vitória, Mamdani foi além de Nova York. Ele afirmou que quer usar a Prefeitura para barrar o que chamou de “fascismo de Donald Trump”, impedir deportações arbitrárias de imigrantes e transformar a cidade em um modelo de gestão progressista para o Partido Democrata nacional.

E encerrou com uma frase que resume bem o momento: “Se essa campanha mostrou algo ao mundo, é que os nossos sonhos podem virar realidade.”

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