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Rodrigo Paz Pereira é eleito novo presidente da Bolívia e 'ajuste fiscal é inevitável', diz especialista

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Com 97,86% dos votos apurados, Rodrigo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão, obteve 54,6% dos votos e foi eleito o novo presidente da Bolívia, após o fim da votação do segundo turno da eleição presidencial no país, que ocorreu neste domingo (19), e a apuração de 97,8% das urnas, segundo o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE). O conservador Jorge "Tuto" Quiroga teve 45,4%. 

Rodrigo Paz Pereira foi eleito presidente da Bolívia após a divulgação dos resultados nesta segunda-feira (20)
Rodrigo Paz Pereira foi eleito presidente da Bolívia após a divulgação dos resultados nesta segunda-feira (20) AP - Natacha Pisarenko
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

As pesquisas de intenção de voto falharam novamente. As quatro sondagens divulgadas em outubro não previram a vitória de Rodrigo Paz Pereira, que venceu com 9,2 pontos de vantagem no segundo turno. 

No primeiro turno, Paz Pereira também havia ficado em primeiro lugar, com 32,6% dos votos. O presidente eleito de centro-direita, Rodrigo Paz, comemorou o fato de a Bolívia estar "aos poucos recuperando seu lugar no cenário internacional", após 20 anos de governos socialistas.

"É preciso abrir a Bolívia para o mundo e dar um novo papel ao país", declarou Rodrigo Paz. O novo presidente será o responsável por inaugurar uma nova fase política no país, após 20 anos de hegemonia do Movimento ao Socialismo (MAS), liderado pelo ex-presidente Evo Morales. 

A maioria dos bolivianos optou por um candidato de centro, em vez de um representante da direita tradicional. “Rodrigo Paz Pereira não é de direita; é de centro-esquerda. No entanto, diante da gravidade da crise econômica, terá de adotar medidas liberais. Não há como evitar governar com políticas econômicas de direita, pois o ajuste fiscal é inevitável”, afirma à RFI a analista política boliviana Lily Peñaranda. 

“Este não é um problema ideológico, porque ideologia não enche a barriga. O que garante sustento é o direito ao trabalho, instituições fortes, segurança jurídica, respeito à propriedade privada e certeza sobre o futuro. Por isso, o povo da Bolívia tomou sua decisão”, declarou  Paz Pereira em seu discurso de vitória. 

O candidato derrotado, Jorge “Tuto” Quiroga, reconheceu a derrota, alertando que as dificuldades econômicas devem se agravar, mas prometeu apoiar as boas iniciativas no Congresso. 

“Para nós, as dificuldades certamente vão se intensificar. Em todas as iniciativas no Congresso que forem positivas, estaremos lá para apoiar. Nunca seremos um obstáculo”, disse Quiroga ao reconhecer a vitória de Paz Pereira. 

Esse ponto é crucial para a governabilidade, pois Paz Pereira tem a maior bancada, mas não possui maioria. Precisa do apoio de Quiroga. “Rodrigo Paz não poderá governar sem o apoio de Tuto Quiroga”, sentencia Lily Peñaranda, sobre o desafio do novo governo, que começa em 8 de novembro. 

Socorro internacional 

O presidente eleito não explicou como pretende obter recursos para resolver os graves problemas de escassez de combustíveis, alimentos e medicamentos, mas deu indícios de que buscará apoio de países aliados, especialmente dos Estados Unidos. 

Nos últimos 20 anos, a Bolívia foi aliada, na região, da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua. Fora da região, manteve relações com China, Rússia e até Irã. 

No entanto, em seu discurso de vitória, Paz Pereira afirmou que “quer ter uma relação estreita com Washington para que não falte combustível na Bolívia”. “É preciso abrir a Bolívia ao mundo”, declarou, agradecendo os cumprimentos pela vitória enviados pelo secretário de Estado adjunto, Christopher Landau, em nome do governo de Donald Trump. 

Durante a campanha, Rodrigo Paz Pereira prometeu um plano de “Capitalismo para todos”, com concessão de créditos a taxas subsidiadas e alívios tributários para estimular a economia por meio da expansão monetária. 

O presidente eleito acredita que é necessário primeiro “arrumar a casa” para depois buscar empréstimos, mas a urgência da situação pode levá-lo a acelerar esse processo, recorrendo a organismos multilaterais de crédito ou até mesmo a uma ajuda direta dos Estados Unidos. 

O candidato derrotado, Jorge Quiroga, defendia o afastamento da Bolívia do Mercosul — bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — ao qual o país acaba de aderir. Para a analista Lily Peñaranda, a vitória de Paz Pereira é uma boa notícia para o presidente Lula, devido à maior proximidade ideológica em comparação com Quiroga. 

“Entre Rodrigo Paz Pereira, mais de centro-esquerda, e Tuto Quiroga, mais liberal, há uma afinidade do eleito com Lula, mais à esquerda”, observa Peñaranda. 

Quem é Rodrigo Paz Pereira ? 

O novo presidente eleito é herdeiro de uma família de ex-presidentes bolivianos, é filho de Jaime Paz Zamora (1989–1993), fundador do Movimento de Esquerda Revolucionária, vinculado à Internacional Socialista, e que organizou a resistência ao regime militar do general Hugo Banzer (1971–1978). Também é sobrinho-neto de Víctor Paz Estenssoro (1985–1989). A família governou a Bolívia por oito anos consecutivos. 

Paz Pereira, de 58 anos, é economista com formação em Relações Internacionais. Durante a ditadura, sua família foi exilada, e ele nasceu em Santiago de Compostela, na Espanha, terra natal de sua mãe, Carmen Pereira. Ele foi vereador, deputado e senador pela cidade de Tarija, no sul do país, onde curiosamente perdeu neste domingo (Paz Pereira: 49,6% x Quiroga: 50,4%). 

Muitos atribuem sua vitória ao vice Edman Lara, ex-policial que ganhou popularidade nas redes sociais ao denunciar corrupção na Polícia, sendo expulso da corporação no ano passado. Curiosamente, na reta final da campanha, Lara chegou a ameaçar “prender Paz Pereira se ele trair ou roubar o povo”. 

Há também quem acredite que Paz Pereira tenha algum tipo de acordo tácito com Evo Morales, já que setores ligados ao ex-presidente pediram votos para ele. Boa parte dos eleitores de Paz Pereira são ex-apoiadores do MAS, que obteve apenas 3,1% dos votos no primeiro turno. 

Paz Pereira venceu em Cochabamba, reduto de Evo Morales (Paz Pereira: 61,1% x Quiroga: 38,9%). Para muitos, essa vitória foi decisiva. 

O futuro de Evo Morales 

O ex-presidente Evo Morales está inelegível por decisão do Tribunal Constitucional, após já ter sido reeleito uma vez. Refugiado na região do Chapare, Morales enfrenta uma ordem de prisão por estupro de menor e tráfico de menores — acusações que ele nega. 

O atual presidente, Luis Arce, desafeto de Morales, não ordenou sua prisão para não interferir no processo eleitoral. 

Jorge Quiroga prometia prender Evo Morales, mas Paz Pereira nunca deixou claro o que pretende fazer. “Rodrigo Paz Pereira sempre foi evasivo nas respostas. Isso tranquiliza Evo Morales. Mesmo inelegível, ele está se preparando para voltar. Vai encontrar uma forma de insistir. É uma figura ativa na política boliviana”, avalia Lily Peñaranda. 

Morales pode dificultar a governabilidade do novo presidente, recorrendo à tática de bloqueio de estradas por movimentos sociais — método que usava quando estava na oposição. 

“No Congresso, o novo presidente terá muita dificuldade para conseguir consenso. Nas ruas, a situação será complicada à medida que a crise se aprofunde, gerando protestos. Um ajuste sempre dói, mas não há outra saída”, prevê Peñaranda. 

Evo Morales criou um novo partido, Evo Povo, para disputar as eleições regionais de março do próximo ano. Essa é sua estratégia de sobrevivência política — e também pode se tornar uma tábua de salvação para Paz Pereira, que precisará de prefeitos e governadores aliados nos territórios. 

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