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Arles: desobediência à imposição de gênero é tema de projeto fotográfico brasileiro

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Gal Cipreste Marinelli e Masina Pinheiro concorrem em Arles ao prêmio Descoberta Louis Roederer, nos Encontros de Arles. Elas buscaram na intimidade do sofrimento por imposição do gênero a inspiração para um trabalho autobiográfico clicado a quatro mãos.

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"Cerca", imagem da série "G.H. - Gal e Hiroshima", em exposição em Arles, sul da França.
"Cerca", imagem da série "G.H. - Gal e Hiroshima", em exposição em Arles, sul da França. © Gal Cipreste Marinelli e Rodrigo Masina Pinheiro
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Patrícia Moribe, enviada especial a Arles

A série se chama “G.H. – Gal e Hiroshima”, uma alusão às iniciais das artistas, sendo que Hiroshima era um apelido de infância de Masina, que nasceu em 1987, no dia em que a bomba americana atingiu a cidade japonesa. É ainda uma alusão ao romance intimista “A Paixão segundo G.H.”, de Clarice Lispector.

Masina conta que quando criança se parecia com uma menina, delicada e com cabelos longos. Acabou sendo atacada com pedras por crianças da rua onde morava, em Vila da Penha, no Rio de Janeiro. O encontro com Gal, que cresceu num ambiente muito religioso, deu origem a esse projeto de duas autobiografias entrelaçadas. Os traumas e pesadelos inspiraram imagens que remetem ao sofrimento gerado pela imposição da heterossexualidade. “O gênero fodeu comigo e agora quero foder com o gênero”, explica Masina.

“A fotografia foi algo muito intenso, uma maneira de expurgar tudo o que estava guardado”, conta Gal. Um dos objetos expostos, além das fotos, é uma carta de sua mãe, em que ela faz pedidos para Nossa Senhora, incluindo que seu filho fosse heterossexual e se casasse com uma mulher.

A exposição, acompanhada de outras concorrentes ao prêmio Louis Roederer e que de outras formas falam sobre imersão e intimidade, estão expostas na Église des Frères Prêcheurs - Igreja dos Irmãos Pregadores. Um "prêcheurs" que sem um "r" pode virar "pêcheurs", ou seja, pecadores ou pescadores. Coincidência ou acaso?

Foto da série GH, Gal e Hiroshima, 2021, apresentada nos Encontros de Arles.
Foto da série GH, Gal e Hiroshima, 2021, apresentada nos Encontros de Arles. © Gal Cipreste Marinelli e Rodrigo Masina Pinheiro

Material doado por amigos

A série foi quase toda feita durante a pandemia, principalmente em médio formato, com filmes doados por amigos. “Eram vencidos há muito tempo, não sabíamos qual seria o resultado, tanto que muitas imagens são bem granuladas”, conta Rodrigo.

Masina (uma homenagem à atriz italiana Giulietta Masina) explica o significado da foto que mostra uma calça branca e pedras. Trata-se do pesadelo recorrente de estar sendo perseguido e apedrejado. O fato de a calça fazer alusão ao ajoelhamento remete à criação religiosa de Gal. 

"É um trabalho forte, potente e importante”, diz Ioana Mello, curadora independente, que fez a ponte entre o festival e a Galeria Oriente, do Rio de Janeiro. “Eu trabalho com a Gal e a Masina há quase dois anos com G.H. e queria trazer o projeto para a Europa – é um discurso que precisa ser visto muitas vezes”, diz Ioana.

“É a primeira vez que a série viaja nesse tamanho”, diz Rodrigo. “É interessante ouvir as pessoas falarem de suas próprias experiências - talvez essa seja a importância, a de se somar ao que era um legado de violência”, acrescenta.

Os Encontros de Arles acontecem até 25 de setembro, no sul da França.

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