Reportagem

Exposição de brasileira em Paris conecta mantos tupinambás, Museu Nacional e Maurício de Nassau

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Após o sucesso de sua participação na edição de 2024 do Paris Photo, a artista brasileira Lívia Melzi realiza ‘Tabula Rasa’, sua primeira exposição solo em galeria na capital francesa, de 8 de março a 19 de abril, na galeria Salon H, no 6° distrito da capital francesa.

Após o sucesso de sua participação na última edição do Paris Photo, artista brasileira Lívia Melzi faz sua primeira exposição solo em Paris. 'Tabula Rasa' pode ser prestigiada na galeria Salon H, de 8 de março a 19 de abril.
Após o sucesso de sua participação na última edição do Paris Photo, artista brasileira Lívia Melzi faz sua primeira exposição solo em Paris. 'Tabula Rasa' pode ser prestigiada na galeria Salon H, de 8 de março a 19 de abril. © RFI
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Luiza Ramos, da RFI 

Em uma mistura complexa de fotografia, tapeçaria, vídeo e esculturas, ela relaciona oito anos de pesquisa que envolvem o manto tupinambá, o Museu Nacional do Rio de Janeiro e o conde Maurício de Nassau, governador da colônia holandesa no nordeste brasileiro no século 17. A exposição traça “uma linha do tempo” desde o evento da volta do manto tupinambá para Brasil e desdobra outros dois capítulos principais: o Museu Nacional e a figura de Maurício de Nassau

“A coleção dos mantos na Europa foi assunto do meu primeiro grande trabalho”, conta Lívia. A outra parte é um projeto retomado mais recentemente pela artista que se interessa pela história dos três bustos idênticos de Maurício de Nassau. “A gente tem um de cobre no Recife, em praça pública. Tem outro num depósito do lado de Amsterdã, que foi uma estátua destituída do Museu Mauritshuis, que foi a casa dele e que fica em Haia. E um terceiro busto na Alemanha, no túmulo dele. Então, a partir de três imagens, eu fotografei esses três bustos e consegui adquirir o molde original de onde esses bustos foram feitos”, detalha.

A exposição tem curadoria de Margaux Knight e a artista, que usa moldes de esculturas e materiais como vidro e gesso, apresenta também peças de estudo para mostrar os resultados de sua pesquisa plástica e teórica a partir da figura de Nassau.

Lívia Melzi usou moldes de esculturas de Maurício de Nassau para criar peças em vidro e gesso para demonstrar sua pesquisa.
Lívia Melzi usou moldes de esculturas de Maurício de Nassau para criar peças em vidro e gesso para demonstrar sua pesquisa. © RFI

O manto tupinambá, depois de três séculos na Dinamarca, retornou ao Brasil, em julho de 2024, como uma doação do Museu Nacional dinamarquês ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, que está se recompondo após o incêndio que destruiu seu acervo em 2018. Através da história, Lívia evidencia questões de conservação e desapropriação.

Livia Melzi, que também iniciou sua carreira artística em 2018, aprofunda a relação do manto, originário dos povos indígenas, e Maurício de Nassau, responsável por levar os objetos para a Europa. 

O trabalho de Lívia Melzi começou com uma pesquisa em 2018, quando ela entrou em contato com as "sete instituições europeias que guardam os oito mantos tupinambás que estão na Europa".
O trabalho de Lívia Melzi começou com uma pesquisa em 2018, quando ela entrou em contato com as "sete instituições europeias que guardam os oito mantos tupinambás que estão na Europa". © RFI

“Maurício de Nassau está intimamente ligado com a coleção de mantos tupinambá, com o fato da coleção estar na Europa. Meu trabalho gira em torno da relação entre a Europa e o Brasil. Como a Europa construiu o Brasil através das imagens, mas não somente, e o papel do museu. Isso que me interessa”, revela Lívia. A artista visual pretende analisar com sua exposição na galeria Salon H como um museu, sendo uma instituição que nasceu na Europa, poderia guardar e definir o imaginário do povo brasileiro sobre si mesmo, mas também o “imaginário da Europa em relação ao Brasil”, explica. 

Artista natural de São Paulo, que mora em Paris há 12 anos, Livia traz questionamentos sobre como os fragmentos da história, restos queimados, fragmentos funerários, coleções fotográficas prestes a desaparecer, moldes de estátuas podem preencher o futuro Museu Nacional do Rio. No Museu brasileiro, Livia Melzi conta que trabalha em conjunto com a instituição para preservação demo acervo recuperado após o incêndio, através de arquivo fotográfico que, segundo ela, já contém mais de 200 imagens e que podem ser vistos em vídeo na galeria Salon H.

Lívia apresenta em Paris uma fotografia do meteorito Bendegó, uma das poucas peças que resistiu às chamas que atingiram o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, Zona Norte do Rio, em setembro de 2018.
Lívia apresenta em Paris uma fotografia do meteorito Bendegó, uma das poucas peças que resistiu às chamas que atingiram o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, Zona Norte do Rio, em setembro de 2018. © RFI

A descolonização

“A exposição mostra muito a minha relação com as instituições. Eu gosto muito de pensar em como conhecimento é construído e imposto, e o papel das instituições nisso. Como a gente no Brasil, quando pensa no Museu Nacional, herda tudo isso”, reflete a artista. Lívia acredita que atuar em suas pesquisas e registros é “ver a História se construindo na nossa frente”.

“Hoje o Museu Nacional é a grande promessa de descolonização de um museu. Eu estou muito curiosa para continuar trabalhando com eles e para fotografar e documentar essa história se construindo, a volta do manto, nesse projeto sobre os mantos. Eu estou tendo a sorte de acompanhar com a fotografia”, diz.

Para ela, a exposição mostra os elementos principais da sua pesquisa e carreira até hoje. “É legal ver a coerência e a conversa entre as coisas, porque tudo está ligado (...) Às vezes eu faço as coisas sem perceber, mas as histórias estão todas conectadas no final das contas, então achei muito justo colocar tudo numa sala só. Tudo no mesmo lugar a atravessar esses três capítulos completamente ligados”, conclui Livia Melzi. 

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