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"Sou um animal pictórico e solitário", diz Gonçalo Ivo, mestre das variações rítmicas das cores

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Ele é um dos maiores coloristas contemporâneos brasileiros, autor de obras que conjugam formas geométricas e cores em espécies de variações rítmicas. Habitué da solidão, o pintor Gonçalo Ivo conversou com a RFI sobre a íntima relação com a música e a literatura que o impulsionam e tornam único o seu trabalho.

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O pintor Gonçalo Ivo
O pintor Gonçalo Ivo © RFI
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Radicado em Paris há mais de 20 anos, o carioca Gonçalo Ivo se divide entre a França e o Brasil. Em 2020, no auge da pandemia de Covid-19, participou de uma residência artística nos Estados Unidos que resultaram em algumas obras da exposição “Zeitgeist”, no primeiro semestre deste ano, no Rio de Janeiro. Atualmente, alguns trabalhos do pintor estão sendo exibidos na mostra “Klaxon-Mania”, em Saint-Ouen, periferia da capital francesa, sob curadoria e cenografia do galerista Ricardo Fernandes.

Questionando a influência da Semana de Arte Moderna de 1922, o evento marca o centário do movimento apresenta trabalhos de vários artistas brasileiros, como Ana Luiza Rodrigues, Antonio Sergio Moreira, Frans Krajcberg, José Diniz, Juan Esteves, Lina Bo Bardi, Lita Cerqueira, Lívia Melzi e Niura Bellavinha. “É uma mostra que tem a ver com a cara do Brasil. E tem a ver também com a Semana de Arte Moderna, uma espécie de apropriação de vários tipos de cultura, a europeia, norte-americana, mas como uma marca da nossa própria arte indígena, da nossa influência africana, que é muito forte no Brasil”, diz.

Gonçalo acredita que a Semana de Arte Moderna de 1922 pouco influenciou suas obras. Assim como o pai, o poeta Lêdo Ivo - autor do provocativo “Modernismo e Modernidade” - o pintor acredita que “o espectro cultural brasileiro é muito maior” e contesta o movimento “de jovens ricos paulistas que tomaram o poder sobre a cultura para transformá-la em uma espécie de prisão estética”.

Por outro lado, Gonçalo não esconde sua admiração pelo francês Paul Cézanne e pelo holandês Piet Mondrian, influências incontestáveis de seu trabalho. Uma influência que tem um claro limite: ao contrário do fundador do neoplasticismo, o colorista carioca recusa o selo da produção de uma arte geométrica. Para assimilar o trabalho do carioca, é preciso também mergulhar em sua paixão pela literatura e a música.

Piano aos 40 anos

“No fundo, eu sou um músico frustado”, diz, ao lembrar que, aos cinco anos, se apaixonou pelo compositor italiano Domenico Scarlatti. As primeiras telas que vendeu, aos 10 anos, lhe renderam uma coleção de discos de Mahler, Vivaldi e Bach. Inspirado pelos filhos, que quiseram aprender piano quando a família se mudou para Paris, no final dos anos 1990, Gonçalo também se aventurou em tocar o instrumento.

“Eu queria saber como a escrita musical virava som. A professora me disse: ‘você está muito velho, tem 40 anos!’. E eu respondi: ‘mas Gauguin começou a pintar com essa idade’”, ri. “A primeira coisa que eu fiz foi desenhar as partituras e aprendi. Em três meses eu estava tocando – lentamente, sem virtuosismo, mas estava tocando – uma peça de Bach”, completa.

Não por acaso, um dos trabalhos mais recentes do artista é uma marca desta experiência. “Uma das minhas últimas séries, que eu comecei a fazer em Nova York, que chama-se ‘Le jeu des perles de verre’ inspirado no título de um livro do Hermann Hesse, autor que é um farol para mim, é como se fosse uma partitura musical”, destaca.

A relação com a literatura, aliás, é outra marca do trabalho de Gonçalo Ivo, que em suas jornadas de "funcionário público francês", além de pintar, também escreve. "Eu tenho horror ao ócio", diz, recordando que um de seus principais ensinamentos, na época em que foi professor no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. "O pintor tem que pensar que nem um protestante: Deus ajuda quem trabalha", brinca. 

Por isso, ao contrário de muitos artistas, a pandemia de Covid-19 não interrompeu o trabalho de Gonçalo Ivo. "Meu cotidiano é o de um lobo solitário, então, para mim, não mudou nada", diz. Sobre o isolamento que viveu nos Estados Unidos durante a residência artística em Connecticut - que teve de ser prolongado devido às medidas sanitárias - e o período de um ano que passou sem ver a família e os filhos na França, o pintor fala com serenidade: "costumo dizer que sou um animal pictórico e solitário". 

A política pela arte

Nesta proximidade com a solidão, Gonçalo Ivo afirma que para driblar sua vida social reservada e o isolamento comum a seu dia dia, escuta rádio para se informar. Para ele, é importante "não ficar completamente alienado ao mundo e a esse horror que a gente está vivendo aqui na Europa, com a guerra e no Brasil e na América Latina, com todas as visões divididas, com o ódio imperando". 

Apesar de ter sido politicamente engajado na juventude, o pintor ressalta que não vota há quase 30 anos. "Hoje sou como Jorge Amado e Raquel de Queirós, eu me abstenho de versar sobre política. Eu acho que a política está na arte, no cinema, na literatura: essa é a boa política", conclui. 

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