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Na Suíça, Christina Oiticica desenterra quadros que ficaram em contato com a natureza

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Obras de Christina Oiticica, da coleção “Flora e Fauna”, ficaram nove meses sob a terra. A artista plástica brasileira concluiu uma importante etapa do seu processo de criação ao desenterrar, na sexta-feira (12) dez quadros que ficaram nove meses em contato com a natureza.

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Obras de Christina Oiticica, da coleção “Flora e Fauna”, ficaram nove meses sob a terra.
Obras de Christina Oiticica, da coleção “Flora e Fauna”, ficaram nove meses sob a terra. © Divulgação
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Valéria Maniero, correspondente da RFI na Suíça

Com a ajuda de 50 pessoas, a artista retirou da terra obras da coleção “Flora e Fauna” que, após terem sido pintadas por ela e pelo artista americano Blake Jamieson, foram enterradas numa área em Monthey, na Suíça, onde ela mora com o marido, o escritor Paulo Coelho.

 

A artista contou com a ajuda de 50 pessoas para fazer o trabalho.
A artista contou com a ajuda de 50 pessoas para fazer o trabalho. © Valéria Maniero

A RFI fez uma entrevista exclusiva com Christina Oiticica, que ficou conhecida por usar essa técnica em que os quadros interagem com a natureza.

“Esse dia para mim é muito importante porque são nove meses de espera, é como uma gestação. É muita emoção, porque você nunca sabe o que vai acontecer com os quadros, porque cada lugar é diferente. Esses trabalhos foram feitos em parceria com o artista americano Blake Jamieson, que fez a parte da flora. Eu fiz a fauna, as borboletas. No ano passado, ele veio para a Suíça para a gente enterrar aqui nessas montanhas, um lugar bonito, bem alto. Hoje ele veio novamente. E estamos desenterrando com 50 pessoas porque são dez quadros. É muito trabalho”, explicou.

Christina Oiticica desenterrou dez quadros seus que estavam numa montanha da Suíça.
Christina Oiticica desenterrou dez quadros seus que estavam numa montanha da Suíça. © Valéria Maniero

Amigos que são parceiros no processo

Para tirar da terra os dez quadros, a artista contou com a ajuda de 50 pessoas que, há nove meses, estiveram ali naquele mesmo lugar para fazer o trabalho prévio de enterrá-los. Agora, divididos em pequenos grupos e munidos com pás pintadas e assinadas pelos artistas, eles cavavam, jogavam a terra para um lado, minhocas e raízes para o outro, em busca dos quadros não perdidos, mas escondidos.

“São amigos, pessoas que trabalham comigo, que estão organizando outras exposições também, marchands, jornalistas. Amigos que vieram me ajudar e ver como ficaram os quadros. É sempre com muita emoção. E o Blake Jamieson está muito animado. Está agora trabalhando com ayahuasca, então, tem toda uma coisa de xamã. Fez uma dança xamânica. Está sendo muito bom”.

Christina com o artista Blake Jamieson, parceiro de trabalho.
Christina com o artista Blake Jamieson, parceiro de trabalho. © Valéria Maniero

Nove meses é um período muito simbólico, que coincide com o de uma gestação. E a intenção da artista era realmente essa: aguardar esse período para dar à luz a uma obra nova.

“Como se fosse uma 'sementezinha' que a gente plantou e tem um período de gestação. E onde eles ficaram é como um berço também, como o útero materno”.

O caminho a partir de agora

E o que acontece depois que as obras são desenterradas?

“Vou fazer uma limpeza, usar um impermeabilizante para parar com o processo, porque a natureza interfere. Cria, às vezes, um buraco, as cores se modificam. Depois, eles vão ser emoldurados e vai ter uma exposição em Portugal, em Sintra, em 15 de julho”, contou.

 

Oiticica e Blake Jamieson conversam depois do trabalho feito.
Oiticica e Blake Jamieson conversam depois do trabalho feito. © Valéria Maniero

 

O processo de criação da artista

Christina usa diferentes processos. Às vezes, chega a um local com o quadro em branco e trabalha com folhas e pigmentos. Também acontece de ela já estar com as telas pintadas, como aconteceu agora, utilizando componentes do local para dar um realce diferente. E o local, na verdade, são locais, no plural. Porque ela já deixou suas obras em vários lugares do mundo, em contato com diferentes elementos presentes na natureza. Eles já estiveram, por exemplo, na Sicília, nas salinas de Marsala. Também imersos na água, no Lago Léman. Nas montanhas e no mar.

“A água é muito rápida. O que eu deixei no Lago Léman foi por 15 dias, e já teve um efeito alucinante”, conta.

Como tudo começou

A ideia de levar os quadros para debaixo da terra surgiu em 2003, quando ela e o marido moravam num hotel pequeno nos Pirineus franceses.

“Trabalhar assim é complicado, você não tem espaço, suja todo o quarto do hotel com a tinta, tem o cheiro... O Paulo, por exemplo, escreve no laptop e já resolve a vida dele. Mas eu preciso de espaço, preciso guardar as telas. Eu tinha uma exposição em Paris e tinha recebido uma tela de dez metros. Falei: como que eu vou fazer isso? Fui para a floresta e comecei a fazer essa tela por estações. Eu ia desenterrando e pintando. Foi um trabalho que levou um ano”, disse.

Christina estava perto de Lourdes, “um lugar muito sagrado”.

“Inclusive, eu trabalho com o signo do feminino que, pra mim, é a grande mãe. Então, quando eu deixei o trabalho na terra, era como se eu estivesse fechando um ciclo. Um ciclo da mãe, da terra, da Imaculada Conceição”.

A partir daí, as obras ganharam o mundo, sendo enterradas na Amazônia, no Japão, na Índia, no Rio de Janeiro, na Bahia.

 

As pás pintadas e assinadas pelos artistas.
As pás pintadas e assinadas pelos artistas. © Valéria Maniero

 

Um olhar para toda uma obra

Olhando para trás e para tudo o que foi produzido, como Christina vê a sua arte hoje?

“Olha, essa energia da natureza deixa no meu trabalho uma impressão, vamos dizer, digital, que é única. E eu acho que é essa busca da natureza, como se a gente tivesse uma aliança, que foi perdida um pouco pelo homem. Esses trabalhos vêm com uma energia do local onde eles ficaram. Eu gostaria de resgatar isso”, explica.

A natureza tem presença garantida não só no trabalho, mas também no dia a dia da artista.

“A gente (ela e o marido, o escritor Paulo Coelho) adora caminhar na natureza. A gente viveu nos Pirineus por seis anos, no meio das montanhas. A gente ama a natureza. Todos os dias, daily walk”.

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