“Branquitude não é transparência, é visão de mundo”, alerta ativista Cida Bento
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Cida Bento é doutora em psicologia, uma das pioneiras de estudos sobre a “branquitude” no Brasil, fundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CERTD) e foi eleita pela revista The Economist uma das pessoas mais influentes do mundo na promoção da diversidade.
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Autora de diversas obras sobre o tema, como “Branquitude: Diálogos sobre racismo e antirracismo”, sua publicação mais recente, “Cidadania em Preto e Branco” e “Ação Afirmativa e Diversidade no Trabalho”, ela lança agora em francês “Le pacte de la blanchité” (“O Pacto da Branquitude”), pela editora AnaCaona.
“O Pacto da Branquitude” é o resultado de sua tese de doutorado, defendida na USP, que aborda como as estruturas solidificadas pelos brancos permitem que o racismo se perpetue, e, com isso, que se perpetuem as desigualdades. O estudo surge a partir de experiências pessoais.
“Eu trabalhei durante muitos anos como psicóloga organizacional. Eu trabalhava com recursos humanos, processos de recrutamento de pessoas, seleção, promoção, treinamento. E em um país onde os órgãos oficiais reconhecem que a maior parte da população, 57% é negra, em todo tipo de organização, as lideranças são masculinas e brancas. Nos processos de seleção, é sempre mais fácil para as empresas escolherem pessoas brancas e homens para ocuparem os postos de comando ou de vanguarda, os lugares considerados mais nobres na organização”, relata Cida.
Cota 100% para brancos
No livro, para questionar e criticar essa “branquitude” estabelecida, a autora usa como referência o sistema de cotas, tantas vezes atacado no Brasil, mostrando que o que sempre houve, e ainda há, na verdade, é uma grande e esmagadora cota reservada ao homem, branco e hétero.
“[Essa cota 100% para homens brancos] nem precisa ser nomeada. Esse conceito de que homens brancos são mais bonitos, mais competentes, feitos para liderar, perpassa toda a sociedade. Por isso digo que eles não precisam reivindicar cotas, porque as cotas já estão definidas para eles, são definidas como um lugar de meritocracia. O nosso sistema é meritocrático”, enfatiza a autora.
Mais do que tratar a desigualdade, com ênfase no universo do trabalho, Cida Bento aborda a questão desta desigualdade ser “um pacto velado”, “não declarado”, assim como os próprios privilégios brancos podem ser também não tão evidentes. Ela ressalta como esse “não dito” impede o debate sobre o racismo e, por consequência, medidas e políticas para erradicá-lo.
“O que caracteriza o racismo dentro de uma organização não são atos racistas, episódicos. Se observarmos as estatísticas: onde estão as mulheres? Onde estão os gays, as lésbicas? Onde estão os negros, as pessoas com deficiência? E vamos identificar um perfil monolítico em todas as grandes instituições”, ela insiste.
Colônia e escravidão
Para a autora, a persistência da desigualdade social encontra suas raízes na história colonial e escravagista do Brasil, que continua reproduzindo um modelo europeu.
“[Este modelo] se inventa como mais bonito, mas inteligente, e tem dinheiro para colocar esse imaginário concretamente em livros didáticos, nas novelas, em todos os meios de comunicação, de modo que os brancos se sentem superiores. É um processo muito perverso, mas que vem mudando muito fortemente no Brasil. Há uma impaciência muito grande de indígenas, de negros, de quilombolas, de vozes femininas, vozes LGBTQIA+, e uma tensão crescente nas instituições”, afirma Cida.
Em suas pesquisas, a autora também destaca o lugar do branco na luta antirracista. “Nós temos uma herança de cinco séculos que coloca negros e brancos em lugares sociais muito diferentes. Temos que reconhecer isso, reconhecer que branquitude não é transparência, é visão de mundo”, conclui Cida.
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