Lula leva luta contra extrema direita e ‘tarifaço’ a encontro em defesa da democracia no Chile
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O presidente Lula participa nesta segunda-feira (21), em Santiago, da reunião de alto nível "Democracia Sempre", organizada pelo presidente chileno, Gabriel Boric. O “tarifaço” de Donald Trump contra o Brasil deu a Lula a chance de liderar uma aliança de países contra o autoritarismo e contra o uso de ferramentas comerciais com fins políticos e ideológicos. Analistas políticos veem uma limitação no alcance das propostas, enquanto essa frente internacional for apenas de governos de esquerda.

Márcio Resende, correspondente da RFI na Argentina
Além de Lula e Boric, integram a liga em defesa da democracia os presidentes do Uruguai, Yamandú Orsi; da Colômbia, Gustavo Petro; e o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sanchez. O encontro também é chamado de cúpula progressista, enquanto os críticos falam em "cúpula esquerdista".
O encontro entre os cinco líderes, organizado por Boric a pedido do presidente brasileiro, começa às 10h30 (horário de Brasília). Três horas depois, haverá uma declaração conjunta dos participantes.
Encontros com representantes da sociedade civil
Depois do almoço, os líderes irão se reunir com cerca de 300 representantes da sociedade civil, acadêmicos, intelectuais e analistas. Para defender a democracia, eles consideram essencial envolver a sociedade civil nos debates.
As discussões têm três eixos centrais: a defesa da democracia e do multilateralismo, porque o unilateralismo é a imposição pela força; o combate às desigualdades sociais, porque a importância da democracia perde força nos bolsões de pobreza; e o enfrentamento à desinformação e ao discurso de ódio frequentes nas plataformas digitais.
Os resultados dessas discussões serão transformados em propostas a serem levadas à próxima reunião de alto nível prevista à margem da Assembleia Geral da ONU em setembro, em Nova Iorque.
A analista política uruguaia Micaela Gorritti explica à RFI que, por mais que a reunião seja apenas de líderes de esquerda, serve para coordenar ações em conjunto numa região descoordenada. É a chance de gerar união quando Trump procura a divisão. A especialista considera que é também uma oportunidade para o presidente Lula exercer uma liderança de representação regional.
“Sem dúvida, a questão do ‘tarifaço’ de Trump será tratada nesta reunião no Chile. Esse tipo de situação gera coordenação em posturas comuns entre os países. Embora a melhor forma de coordenar não seja a partir da afinidade ideológica, gera certa coordenação numa região totalmente descoordenada. É uma oportunidade de coordenação, sobretudo quando Trump quer dividir. É um ‘minilateralismo’, quando Trump quer o unilateralismo”, observa Gorritti.
Democracia em risco
O que motiva essa aliança progressista é o avanço da extrema direita no mundo, tendo o presidente Donald Trump como principal referência.
Os líderes presentes à reunião entendem que a extrema direita busca destruir o sistema de governança multilateral no mundo, as conquistas sociais, as políticas de redistribuição de renda, o papel do Estado na economia, a defesa do meio ambiente e as instituições de controle de qualidade democrática, usando ferramentas como a desinformação por meio das redes sociais.
Nesse fim de semana, os cinco chefes de Estado publicaram uma carta em alguns dos principais jornais da região. O texto começa afirmando que “em diferentes partes do mundo, a democracia enfrenta um momento de grandes desafios”, como “a erosão das instituições, o avanço dos discursos autoritários e o crescente desinteresse dos cidadãos”.
Diante desse cenário, dizem os chefes de Estado, “não cabe nem o imobilismo nem o medo”. Como líderes progressistas, sentem que “devem agir com convicção e com responsabilidade perante aqueles que pretendem enfraquecer a democracia e suas instituições”, porque “a democracia é frágil se não for cuidada”.
Um trecho da carta também diz que os líderes sabem que “defender a democracia exige que sejam capazes de condenar as derivas autoritárias”.
Com essa lógica, espera-se um repúdio ao uso, por parte de Donald Trump, da aplicação de tarifas como castigo por questões ideológicas ou geopolíticas. Nesse ponto, deve haver uma defesa do Poder Judiciário do Brasil, atacado por Donald Trump.
Em entrevista à RFI, o embaixador argentino Diego Guelar, ex-representante da diplomacia argentina no Brasil, nos Estados Unidos, na União Europeia e na China, afirma que o caráter de esquerda da reunião não ajuda. Segundo o diplomata, melhor teria sido uma reunião do Mercosul, atualmente presidido pelo Brasil, convidando também o Chile e a Colômbia, avalia.
“Teria sido melhor que o Brasil, atualmente na presidência do Mercosul, convocasse uma reunião do bloco para tratar da guerra comercial. O próprio presidente Lula poderia sugerir a criação de uma comissão de negociadores Mercosul-Estados Unidos. Além disso, os membros do Mercosul deveriam apoiar as instituições democráticas do Brasil, defendendo a sua soberania e repudiando a intervenção de Trump. Se isso expuser um conflito interno entre integrantes do bloco, que isso fique claro. É uma prova de fogo”, defende Guelar.
“Agora, Lula também questionou a Justiça argentina ao visitar a ex-presidente Cristina Kirchner na sua prisão domiciliar e depois tirar fotos com o cartaz ‘Cristina Livre’. Na Argentina, não existe nenhuma perseguição contra Cristina Kirchner para que Lula levante esse cartaz. Se você tem um ponto de vista ideológico sobre a Justiça argentina, então, depois, não reclame quando questionarem a Justiça brasileira. Nós defendemos o mesmo: é preciso respeitar o Poder Judiciário argentino”, compara.
Tarifaço de Trump ataca a democracia
O “tarifaço” de Donald Trump não aparece na pauta da reunião, mas paira sobre os temas de desinformação, autoritarismo e ataques contra as instituições democráticas. A ação do presidente norte-americano contra o Brasil inaugurou o uso das tarifas como forma de condicionar o Supremo Tribunal a não condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e de atacar o Judiciário brasileiro com uma interpretação distorcida da realidade.
Esta reunião de cúpula acontece a 11 dias da entrada em vigor da tarifa de 50% contra todas as exportações brasileiras aos Estados Unidos, mas também de 50% sobre o cobre exportado para o mercado norte-americano. Essa medida atinge diretamente o Chile, um dos maiores exportadores do metal.
Em entrevista à RFI, o analista político chileno Patricio Navia, especialista na relação entre a América Latina e os Estados Unidos, apontou que esta reunião pode expor ainda mais os países participantes à “fúria” de Donald Trump. Em represália, o presidente americano poderia aplicar uma nova bateria de tarifas ou mesmo endurecer qualquer negociação para removê-las, acredita.
“Muitos pensam que é melhor deixar que Trump fale sozinho porque depois se esquece e presta atenção em outra coisa, como uma criança que troca um brinquedo pelo outro e depois se esquece do primeiro”, ilustra Navia.
“Trump também pode ser como aquele louco na estação do metrô que começa a gritar para as pessoas. Se você confrontá-lo, o louco começa a gritar somente para você. Outra saída é dar uma esmola para o louco para que ele vá embora e não tenha uma reação violenta. Com Trump, você não deve usar argumentos razoáveis porque a briga dele não é razoável. Contra o louco do metrô, é melhor você se fazer de louco”, avalia Navia à RFI.
Para o especialista chileno, o fato de ser um grupo de países de esquerda limita o alcance das decisões e favorece o argumento ideológico de Trump.
“O que o presidente Boric está fazendo ao se juntar com países de esquerda para dialogar sobre Trump é um erro. É melhor não fazer contato visual com o louco do metrô. É melhor não lhe dar argumentos. Reagir pode ser pior. Então, a estratégia de confrontar Trump e fazer uma declaração contra ele pode ser como provocar o louco do metrô. É desnecessária”, conclui Patricio Navia, da Universidade de Diego Portales, em Santiago, e da Universidade de Nova York.
Reação da extrema direita regional
Os maiores críticos da reunião "Democracia Sempre" são os opositores chilenos, porque o Chile terá eleições gerais em novembro. Eles acusam o presidente chileno, Gabriel Boric, de usar o encontro como plataforma para criticar a oposição, favorecendo a sua candidata, Jeannette Jara.
O presidente colombiano, Gustavo Petro, publicou em suas redes sociais uma pesquisa de intenção de voto na qual a candidata governista do Chile aparece liderando a sondagem. Petro também classificou a oposição de extrema direita chilena de fascista. Com isso, os opositores chilenos chamam os líderes progressistas de “intervencionistas”.
A extrema direita chilena acusa o governo de ter um viés ideológico e chama a reunião de “cúpula da extrema esquerda” que governa alguns países da América Latina.
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