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EUA endurecem vistos para brasileiros, reforçam política migratória e ameaçam turismo

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A partir de 2 de setembro, solicitar um visto para os Estados Unidos ficará mais complexo. A obrigatoriedade de entrevistas em casos que não eram necessárias anteriormente atinge cidadãos de todos os países que precisam de visto para entrar nos EUA, incluindo brasileiros. Em breve, também entrará em vigor o aumento das taxas. O governo de Donald Trump ainda estuda limitar o prazo de permanência de estudantes e jornalistas.

A partir de 2 de setembro, solicitar um visto para os Estados Unidos ficará mais complexo.
A partir de 2 de setembro, solicitar um visto para os Estados Unidos ficará mais complexo. AP - Julie Jacobson
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Cleide Klock, correspondente da RFI em Los Angeles

A principal mudança, que vale a partir desta terça-feira (2), é que todos que solicitarem vistos deverão agendar uma entrevista presencial com um oficial consular, inclusive menores de 14 e maiores de 79 anos. Anteriormente, pessoas dessas faixas etárias eram dispensadas da entrevista presencial.

Há exceções e, em alguns casos, ainda é possível pedir isenção, desde que o solicitante se enquadre em algumas categorias, como vistos oficiais e diplomáticos. Também está isento quem for renovar o visto de turismo ou negócios de curta duração (B-1, B-2 ou B-1/B-2) e se o anterior ainda estiver válido ou expirado há menos de 12 meses. Esta exceção só se aplica nos casos dos requerentes que tinham pelo menos 18 anos quando o visto anterior foi emitido.

Mas a Embaixada dos Estados Unidos ressalta que, mesmo quando os critérios de isenção são atendidos, uma entrevista presencial poderá ser exigida.

No Brasil, a Embaixada dos Estados Unidos está localizada em Brasília, e os consulados funcionam em São Paulo, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro. Para realizar a entrevista, será obrigatório o deslocamento até um desses locais.

Essa nova exigência se junta a outras diretrizes já adotadas pelo governo Trump. Desde junho deste ano, o Departamento de Estado dos EUA já solicitou que quem for pedir vistos de estudante e intercambista deve deixar as contas das redes sociais públicas “a fim de facilitar a verificação necessária”.

Mais caro

Mas mais mudanças estão a caminho. Uma delas é relacionada a uma cobrança extra chamada de taxa de integridade do visto, que está em um pacote aprovado pelo governo e deve custar US$ 250 (R$ 1.357,00 na cotação atual). Isso vai se somar aos US$ 185 (cerca de R$ 1.005,00) do preço atual.

A nova taxa só pagará quem tiver o visto aprovado e será um depósito que pode ser reembolsado se o visitante cumprir integralmente os termos e não exceder o período de permanência autorizado.

O governo ainda não divulgou como essa taxa será paga nem como o reembolso será efetuado, mas há indícios de que esse dispositivo possa já entrar em vigor em 1º de outubro, quando começa o ano fiscal 2026.

Menos tempo para jornalistas e estudantes

Nessa última semana, foi emitida também pelo governo Trump uma proposta que pretende restringir a duração dos vistos para estudantes, intercambistas e membros da imprensa. Segundo o documento, estudantes estrangeiros não terão permissão para permanecer por mais de quatro anos nos Estados Unidos e os jornalistas estrangeiros poderão ter estadias limitadas a apenas 240 dias, com direito a uma extensão com o mesmo período - com a exceção de jornalistas chineses, que terão apenas 90 dias.

A RFI conversou com a advogada de imigração Flávia Santos Lloyd, que falou sobre esse endurecimento que se insere na política do governo Trump.

“Nós estamos vivendo um momento nacionalista, em que o interior dos Estados Unidos é considerado mais importante do que outros países e do que as relações com outros países. Então, essa movimentação do Departamento de Estado é completamente consistente com a política interna e externa do governo americano", aponta a advogada. "O valor do visto é maior, o fato de as pessoas terem que ir para entrevistas, abrir a rede social, e se não estiver aberta, o seu caso não será aprovado. É uma movimentação de exclusão, onde talvez a mentalidade seja que nem todas as pessoas devem vir para os Estados Unidos", resume.

Redes sociais como campo de batalha

Comentários críticos ao governo americano ou à sua política externa podem ser usados como justificativa para negar vistos. Segundo a advogada, esse ponto é especialmente sensível para os brasileiros, conhecidos pela intensa participação digital.

“Se as suas opiniões não estão alinhadas com o governo, se têm sentimento antiamericano, isso pode ser usado para negar o visto. O brasileiro fala demais. Essa espontaneidade pode ser interpretada como problema para outra nação. Você está sendo patriota para o Brasil, mas sinalizando um problema para os EUA. Por exemplo, a situação do tarifaço e a opinião Brasil-Estados Unidos: dependendo de como você está comentando sobre isso nas suas redes sociais, pode ser que seja algo que tenha um impacto na sua emissão de visto, algo que nunca aconteceu anteriormente. Isso era mais focado nos terroristas, nas pessoas que estavam com sentimentos negativos contra os Estados Unidos”, alerta.

Turismo em baixa

A advogada ressaltou também essa contradição entre ideologia e economia. As viagens internacionais para os Estados Unidos caíram 3,1% em julho em comparação com o mesmo período do ano passado. Este foi o quinto mês de queda em 2025, contrariando as expectativas anteriores de que as chegadas internacionais finalmente ultrapassariam os níveis pré-pandemia.

“A indústria do turismo provavelmente não está de acordo. Eu acho que em algum momento essa pressão econômica vai criar um equilíbrio, no qual as grandes instituições, redes de hotéis, até mesmo empresas aéreas, começarão a fazer um pouco de pressão para uma flexibilização dessas regras que estão cada vez mais complexas para as pessoas virem para cá. Isso tem um efeito psicológico; as pessoas acabam indo para outro lugar porque está muito complicado de vir para os Estados Unidos”, avalia a advogada.

O medo como ferramenta política

Flávia ressalta que há um medo geral. Investidores estão com receio das tarifas, atletas temem problemas para competir, artistas desconfiam que eventos possam ser cancelados pela imigração. “Até pessoas que têm cidadania, residência ou visto de trabalho estão preocupadas", diz.

Embora Trump simbolize essa virada, o movimento não é exclusivo dos Estados Unidos. “É uma tendência mundial. Vemos isso na Alemanha, na Itália, na França, em Portugal. Cada vez mais países fecham suas portas. É um movimento nacionalista global, e os EUA se tornaram o epicentro dessa lógica”, conclui.

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