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Livro em quadrinhos conta a história da primeira brasileira negra a cantar na Ópera de Paris

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Ela fez sucesso nos palcos mais prestigiosos da França, mas morreu solitária e quase foi enterrada como indigente. No livro em quadrinhos “Ópera Negra”, a ilustradora Clara Chotil conta a passagem pela capital francesa da brasileira Maria d’Apparecida, a primeira negra a cantar na Ópera de Paris.

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Clara Chotil, autora da revista em quadrinhos Ópera Negra.
Clara Chotil, autora da revista em quadrinhos Ópera Negra. © Arquivo pessoal
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Lançado pela editora francesa Actes Sud, a obra conta o fenômeno Maria d’Apparecida, que por alguns aspectos chegou a ser comparada à cantora americana Joséphine Baker.

Nascida em 1926 no Rio de Janeiro, filha de uma empregada doméstica, ela ficou órfã muito cedo. Porém, nunca desistiu de perseguir o seu maior desejo. “O sonho da Maria d’Apparecida era ser cantora de ópera. Ela não sonhava em vir para a França. A vinda para cá foi uma consequência de ela não poder fazer carreira no Brasil, já que no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, nos anos 1950, lhe foi dito, explicitamente, que ela não poderia fazer ópera porque era negra”, relata a autora.

Sem dar ouvidos à conselhos limitantes, a brasileira conseguiu superar os obstáculos que a separavam dos maiores palcos do mundo. Ela alcançou sucesso não só na Europa, mas fez turnês em vários países. Maria d’Apparecida se tornou uma estrela da música lírica e realizou seu grande sonho de interpretar a ópera Carmen.

Além disso, a cantora também ajudou a divulgar a música popular brasileira na Europa. “Ela gravou com o Baden Powell e participou do grupo de pessoas que ajudou a trazer a música brasileira para a França”, na segunda metade do século XX, explica Clara Chotil.  

Musa do movimento surrealista francês, de pintores e de escritores, Maria d’ Apparecida é um personagem que ilustra temas como o exílio, a libertação feminina, a luta pela emancipação racial, a solidão na velhice e a fragilidade da glória.

A autora Clara Chotil.
A autora Clara Chotil. © RFI

Descoberta por acaso

O mais impressionante nessa história, é que Maria d’Apparecida teria sido rapidamente esquecida se não fosse a curiosidade da jornalista Mazé Torquato Chotil, mãe de Clara.

A carioca foi encontrada sem vida no dia 4 de julho em seu apartamento, no 16° distrito de Paris. “Morte natural” é a informação que consta em seu atestado de óbito. Teria ela família, amigos? Caso ninguém aparecesse, ela seria enterrada numa vala comum. Intrigada, a jornalista brasileira radicada na França há mais de 30 anos começa uma investigação. Mazé Torquatto não suspeitava, no entanto, que embarcava numa aventura que a levaria, dois anos mais tarde, a escrever uma biografia.

“A minha mãe conheceu a Maria d’Apparecida no momento da morte dela, quando o Consulado brasileiro em Paris fez uma chamada a conhecidos dela”, contextualiza Clara Chotil. “Ela morreu sozinha, não tinha filhos. Isso chamou a atenção da minha mãe, que começou a pesquisar”, relata. “E nessa pesquisa, ela descobriu que essa mulher havia tido um percurso muito interessante.

Reunindo vários arquivos, Mazé Torquatto escreveu um primeiro livro chamado Maria d’Apparecida negroluminosa voz, que conta a história da Maria d’Apparecida. “Ela me pediu para fazer uma imagem para o lançamento da obra”, continua Clara. “Eu estava com todo esse material, que é uma história muito singular, e decidi desenvolver uma história em quadrinhos”, explica a autora de "Ópera Negra".

Formada em Belas Artes e arquitetura, Clara Chotil conta sobre o processo de criação do livro. “Eu pensava que escreveria pouco, mas na verdade passei muito tempo reescrevendo para contar essa história. A gente não tem acesso aos documentos pessoais da Maria d’Apparecida. Mas ela escreveu cartas, tem diários e documentos. Porém, nós só tivemos acesso a documentos de terceiros”, afirma. “Isso faz com que a gente tenha uma relação distante e por isso a história dela é tão misteriosa”, completa.

Após a morte, devido a um vazio burocrático, o corpo de Maria D’Apparecida ficou dois meses no Instituto Médico Legal (IML), em Paris. A cantora não deixou herdeiros e acabou sendo sepultada na periferia sul de Paris, numa cerimônia simples, longe do pintor surrealista francês Félix Labisse, com quem tinha um relacionamento e junto ao qual gostaria de ter sido enterrada. Até hoje, os móveis, objetos pessoais e cartas de Maria d’Apparecida estão guardados num depósito na França.

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