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Fotógrafo francês expõe em Paris a tradição do bate-bola, figura icônica do carnaval do RJ

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Foi a partir de pessoas que conheceu no mundo do baile funk carioca que Vincent Rosenblatt foi apresentado aos bate-bolas, personagem tradicional e misterioso do carnaval fluminense, que representa toda uma parte pouco conhecida da cultura brasileira. Os homens fantasiados com extravagantes macacões e máscaras, que andam pelas ruas assustando os foliões, fazendo barulho ao bater as bolas no chão, viraram inspiração com fotos expostas em uma galeria de Paris.

Imagem da exposição "Alucinação", de Vincent Rosenblatt
Imagem da exposição "Alucinação", de Vincent Rosenblatt © Tatiana Avila
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Vincent Rosenblatt conheceu o Brasil em 1999, quando estudava na Escola de Belas Artes de Paris e foi ao país para um intercâmbio. Depois de nove meses, voltou à França para terminar os estudos, mas já com planos de retornar às terras brasileiras. Ao se lançar em projetos de fotografia em comunidades do Rio de Janeiro, teve um primeiro olhar sobre a cidade, tão dividida, mas de cultura tão rica.

“Escrevi um projeto, ‘Olhares do morro’, um ateliê de fotografia no topo do Santa Marta, em Botafogo, que rendeu frutos, com exposições na sede da Unesco em Paris, no ‘Encontros da fotografia’ de Arles, em 2005, no primeiro Ano do Brasil da França (...) e eu acompanhava jovens fotógrafos para, aos poucos, construírem seu olhar”, conta.

Foi a partir daí que, em 2005, ele foi, pela primeira vez, a um baile funk, experiência que descreve como uma epifania, e que rendeu uma de suas séries fotográficas: Rio Baile Funk.

“Eu vi a beleza, energia, moda, catarse que essa juventude carioca vivencia no final de semana. E eu pensei: isso é tão bonito, vai me ocupar por muito tempo”, disse.

Essa presença constante nos bailes das comunidades e o fato de oferecer suas fotos para os DJs, MCs e público, protagonistas do funk – que as expunham no Orkut, rede social da época, como ele conta, rendeu a Rosenblatt uma proximidade com figuras emblemáticas dessas localidades e um convite especial, que acabou por inspirar a série "Alucinação", dedicada aos bate-bolas.

“Epifania"

O fotógrafo conta que foi em 2007, quando um DJ o convidou, em um dia de carnaval, para a saída da Turma do Índio de Guadalupe, grupo tradicional de bate-bolas do subúrbio do Rio de Janeiro, que ele conheceu o personagem pela primeira vez.

“Eu tive outra epifania vendo essa outra camada da cultura e da arte carioca que eu totalmente ignorava e a partir desse primeiro encontro eu não parei de visitar mais turmas, de entender essa dinâmica, de receber mais convites”, contou.

Ele destaca que em 2016 fez a primeira exposição sobre o tema no Sesc de Madureira, quando convidou as turmas de bate-bolas a expor suas fantasias, suas máscaras e a dar palestras.

“Para se apresentarem como os artistas que eles são, com uma arte de rua, um street art carioca que gera uma exposição gigante. Assim nasceu uma aliança e eu vi a dinâmica afetiva e social, o mutirão, o fazer junto, desse esforço pelo desejo de arte”, contou.

O fotógrafo francês, Vincent Rosenblatt: exposição dedicada aos bate-bolas na Galeria Salon/H, no 6º distrito de Paris.
O fotógrafo francês, Vincent Rosenblatt: exposição dedicada aos bate-bolas na Galeria Salon/H, no 6º distrito de Paris. © Tatiana Avila

“O que me chamou a atenção no bate-bola é que não é folclore, é uma reinvenção permanente através da escolha de cada um desses milhares de cabeças, [como são chamados] os líderes da turma, de escolher um tema, de uma história que vai contar. E essa beleza toda se perde depois do carnaval”.

Reviver as emoções da infância

Para Rosenblatt, o bate-bola é herdeiro de muitas influências, do Pierrot europeu às espiritualidades afro-brasileiras, passando pela cultura pop. No entanto, nada na Europa se assemelha a essa tradição.

“Existe uma evolução do sentimento do bate-bola, que quer seduzir e apavorar ao mesmo tempo. O bate-bola é um apreciador da sua arte e tem uma rivalidade, como em qualquer cena artística”, disse. “Mas não tem nada igual porque o bate-bola foge dessa repetição, ele é um mutante permanente, e é por isso que ele me interessa. E o público aqui [na Franaça] não tem essa cultura de rua que persiste no Brasil”.

Projetos futuros

Vincent Rosenblatt conta que no dia 14 de novembro será inaugurada em São Paulo, no Museu da Língua Portuguesa, a exposição coletiva Funk, um grito de liberdade e ousadia, que já esteve no Museu de Arte do Rio e em Lille, pela temporada do Brasil na França. Desde 2008 ele trabalha também com o tecnobrega no Pará, uma cena cultural que, segundo ele, concentra os artistas mais desconhecidos do Brasil.

“Tenho um projeto de, no ano que vem, enfim fazer meu livro sobre os bate-bolas, como eu fiz com o funk em 2022 e o próximo seria sobre as aparelhagens no Pará. Por fim, o Canal Curta pediu para fazer um documentário sobre o meu trabalho, mas eu prefiro compartilhar com todos os artistas que me abduziram para essa cena. Então esse filme, que, por enquanto, se chama Baile das Luzes, diário de um fotógrafo tem a missão de fazer vivenciar a catarse e as obsessões que norteiam o meu trabalho há 20 anos. Ele está sendo finalizado e espero que estará disponível no início do ano que vem,” contou.

A exposição "Alucinação" fica em cartaz até 10 de janeiro de 2026 na Galeria Salon/H, no 6º distrito de Paris.

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