'Terrorismo é violência com fins políticos', diz pesquisador brasileiro 10 anos após atentados de Paris
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Dez anos após os atentados mais violentos da história recente da França, a ameaça jihadista continua muito elevada no país, segundo as autoridades de segurança francesas. Em entrevista à RFI, Gabriel Gama Brasilino, pesquisador convidado na Universidade Católica de Lille, explica que não se pode analisar o terrorismo sem levar em consideração o contexto histórico e político em que aconteceram os ataques.

Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
O ministro do Interior, Laurent Nuñez, alertou na quinta-feira (13) que um ataque como o ocorrido em 13 de novembro de 2015 em Paris é menos provável, pois o serviço de inteligência e a cooperação das forças de ordem foram intensificados. Ao mesmo tempo, o grupo Estado Islâmico (EI), que assumiu a autoria na época, perdeu força internacionalmente. Porém, O ministro francês alertou que há pessoas no país que podem se radicalizar, principalmente entre os jovens.
Esse é o tema da pesquisa de Gabriel Gama, doutorando do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense e pesquisador convidado na Escola Europeia de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Católica de Lille, na França. Ele explica que a raiz do problema extrapola a questão religiosa e se transformou em uma questão de estratégia internacional e política de defesa.
“A violência terrorista tem essa particularidade de ser uma violência com fins políticos, embora as vítimas diretas naquele dia tenham sido cidadãos, a população civil de Paris, o alvo desse atentado era a própria República Francesa”, destaca.

À época, as Forças Armadas francesas atuavam na Síria. “O objetivo tático era causar terror, mas havia um objetivo estratégico ligado à guerra”, continua, citando a atuação dos militares ocidentais contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque, quando a França compunha a coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos.
Ele explica que a radicalização dos extremistas é uma questão complexa, mas que não é nova na França. O país vem lutando contra esses grupos armados não estatais desde a guerra da Argélia, de 1954 a 1962, o que deu ao país forte experiência para lidar com o terrorismo.
“No caso da guerra da Argélia, era a Frente de Libertação Nacional que cometia atos de terrorismo tanto no território argelino quanto no território francês, lembrando que a Argélia fazia parte da França naquele momento. Então, ali, e também um pouco antes, na guerra da Indochina, logo após a Segunda Guerra Mundial, os militares franceses estavam se deparando com essa nova modalidade de guerra. A guerra não era mais um fenômeno de dois exércitos posicionados no campo de batalha, como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, mas começou a se transformar e os franceses precisaram lidar com esse novo inimigo”, observa. “Então, com certeza, o que aconteceu na Argélia, lá nos anos 1960, ainda é estudado em termos de doutrina, em termos de conhecimentos práticos de como lidar com esse novo inimigo, principalmente após os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos”, completa.
Atuação da França na África
O pesquisador explica que a política pública de segurança se faz com planejamento, com informação e avaliação periódica de erros e acertos. Ele cita, por exemplo, a Operação Barkhane, realizada pelos militares franceses contra grupos armados jihadistas na África, na região do Sahel e no Saara, entre 2014 e 2022.
Em 2012, uma minoria étnica independentista do norte do Mali começou a realizar atentados e a se associar a outros grupos, recebendo apoio de movimentos jihadistas da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico e, posteriormente, também do Estado Islâmico no Grande Saara.
“Em 2012, o governo do Mali solicitou ajuda da França para combater esses grupos. Em 2014, essa parceria foi ampliada para a Operação Barkhane, incluindo os cinco países da região do Sahel: Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger. A França estava engajada nessa luta contra o terrorismo jihadista, realizando operações diariamente, com o objetivo de evitar que novos atentados acontecessem no território francês. Porém, no discurso oficial do então presidente François Hollande, era principalmente para apoiar os países da região”, contextualiza.

Reflexos dessa luta constante da França contra o jihadismo são visíveis até hoje. Quem vier a Paris possivelmente verá soldados armados na rua. São traços da operação Sentinela, instaurada logo após o atentado ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, em 7 de janeiro de 2015, e que se manteve, ainda que adaptada e configurada na legislação.
Gabriel Gama fala sobre o impacto dessa estratégia. “Essa operação foi iniciada em janeiro de 2015, no âmbito do estado de urgência. Após os atentados de novembro, o estado de emergência foi mantido. Optou-se por manter esses soldados atuando na segurança pública e o efetivo foi crescendo. Atualmente, são cerca de 10.000 soldados operando no território nacional. A Operação Sentinela conta com o emprego das Forças Armadas na segurança pública e há as operações externas, as Operações Especiais de contraterrorismo e de inteligência. Como se dá a circulação desse saber militar nesse contexto de luta contra o terrorismo?", questiona.
O especialista acha "curioso essa presença dos militares nos aeroportos, na Torre Eiffel, nos pontos turísticos, lugares que seriam visados por um possível atentado. Será que para a população francesa isso significa mais ou menos segurança? Isso é uma coisa curiosa para a gente pensar”.
Uma década depois dos atentados de Paris, o país precisa lidar com a ameaça constante. O terrorismo tem por objetivo espalhar o terror e nunca se sabe quando o próximo ataque poderá acontecer.
“É difícil prever, mas os Serviços de Segurança e de Inteligência evoluíram muito desde 2015 e até mesmo um pouco antes, quando começaram a ter esses atentados na França, entre 2012, 2013 e 2014. Então, existe um sistema de vigilância permanente que monitora os suspeitos, monitora esses grupos dentro e fora da França”, explica.
“Em 2023, nove atentados foram evitados. Um ataque com aquelas proporções do de 2015 eu acredito que seja muito difícil acontecer de novo”, acrescenta. “Mas a própria natureza dessa violência terrorista é justamente um ataque surpresa que visa civis, que pode ser cometido com uma faca, com uma arma, com um caminhão. Isso torna essa ameaça muito mais invisível, muito mais difícil de ser combatida e prevenida”, avalia.
O grupo Estado Islâmico continua atuando. Foi derrotado na Síria, mas não completamente, e se fragmentou. O EI "migrou para o norte da África e continua utilizando as redes sociais e aplicativos de troca de mensagens para propagar essa ideologia, essa propaganda jihadista, além de recrutar indivíduos aqui no continente europeu. Então, é um desafio constante”, conclui.
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