Dez anos após os ataques terroristas de Paris, jihadismo se reinventa nas redes sociais
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Na semana em que a França relembra os dez anos dos atentados de 13 de novembro em Paris e arredores, a Justiça investiga uma suspeita de conspiração terrorista ligada a Salah Abdeslam, o único sobrevivente dos comandos jihadistas que agiram na capital em 2015. Quais as chances de o país viver um novo ataque? Qual é o grau de ameaça terrorista? Para debater essas questões, a RFI entrevista Victor Mendes, professor de Relações Internacionais do Ibmec e especialista formado no Instituto Superior de Guerra do Ministério da Defesa do Brasil.

Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
No sábado (8), a Procuradoria Nacional Antiterrorista (PNAT) anunciou ter aberto uma investigação sobre um possível plano terrorista ligado a Salah Abdeslam, condenado à prisão perpétua pelos ataques de 2015, que deixaram 130 mortos e mais de 400 feridos, em diversos locais de Paris e em Saint-Denis, na região metropolitana.
No mesmo final de semana, três mulheres foram colocadas em prisão preventiva, de acordo com a promotoria. Uma reportagem da France Télévisions informou que elas planejavam atacar "um bar ou uma casa de shows". Entre elas está a companheira de Abdeslam, suspeita de entregar a ele, na prisão, um pen drive com propaganda jihadista.
As mulheres suspeitas dizem ter se conhecido pela internet. É no meio digital que acontece a maior parte dos recrutamentos dos grupos terroristas, como explica o professor Victor Mendes, especialista em jihadismo. Ele fala sobre a situação do grupo Estado Islâmico hoje, dez anos após os atentados mortais em Paris.
"Hoje, principalmente depois da perda significativa de território e de combatentes, após operações militares ocidentais contra o grupo no Iraque e na Síria, que culminaram no fim declarado do grupo Estado Islâmico em 2019, ele atua de forma mais descentralizada do que anteriormente", afirma.
O grupo continua presente na Europa, destaca o professor, e mira na radicalização de adolescentes. "Hoje, o [grupo] Estado Islâmico recruta combatentes através de redes sociais e de outras plataformas digitais, mas principalmente menores de idade", continua.
De acordo com o especialista, ataques recentes ou tentativas de ataques desmantelados foram ou seriam realizados por pessoas de 14 anos. "É de se esperar que as autoridades não tenham um histórico criminal dessas pessoas, porque são muito jovens", acrescenta.
Recentemente, a ONU alertou que o grupo Estado Islâmico combina inovações digitais com canais tradicionais para angariar fundos e recrutar membros, dificultando a detecção pelas autoridades.
Desde 2015, 79 atentados foram desmantelados na França, segundo balanço divulgado em fevereiro de 2025 pela Direção-Geral Antiterrorismo.
Por que a França é alvo dos jihadistas?
Em 13 de novembro de 2015, a França sofreu ataques coordenados que atingiram diversos pontos de Paris: o Stade de France, a casa noturna Bataclan e bares e restaurantes do 10º e 11º distritos da capital francesa.

Victor Mendes explica que, no contexto de 2015 e 2016, o país foi alvo, em parte, por ter participado de operações militares conduzidas pelas potências ocidentais, com o objetivo de reduzir as capacidades do Estado Islâmico no Iraque e na Síria.
Além disso, entre 2014 e 2016, a França foi considerada um dos principais países de origem de combatentes que foram recrutados pelo Estado Islâmico.
Outro fator relevante, ele explica, está associado ao período colonial francês, especialmente nas regiões do Magreb — incluindo países como Marrocos, Argélia, Tunísia e Mauritânia. "Por conta desse passado colonial, foi cultivado entre os nacionais e descendentes de imigrantes desses países um sentimento histórico de dívida não saldada com a França", observa Mendes.
Como consequência, foi reforçada uma narrativa de segregação, dificuldades socioeconômicas e exclusão social, o que tem levado esses grupos a serem considerados mais suscetíveis à radicalização por parte de organizações como o Estado Islâmico.

Islamismo radical e a religião muçulmana
Victor Mendes ainda explica que não se pode misturar o islamismo radical, que é considerado uma deturpação dos registros históricos da religião islâmica, com as tradições seguidas pelos muçulmanos em geral. "Os escritos sagrados e as práticas religiosas têm sido reinterpretados de forma distorcida por grupos extremistas", analisa o professor de Relações Internacionais.
Ele observa que não deve ser utilizado, por exemplo, o termo "terrorismo islâmico", pois sua prática não é reconhecida como parte do islamismo ou da religião em si. "O terrorismo jihadista, por sua vez, é descrito como uma interpretação errônea, segundo a maioria dos muçulmanos, dos textos religiosos do islamismo", completa.

A modernidade ocidental, o capitalismo e outras questões sociais têm sido rejeitadas por esses grupos radicais. No entanto, essa rejeição não está associada diretamente aos fundamentos da religião islâmica, segundo o especialista.
Risco de atentado
Para Victor Mendes, o risco de novos atentados está presente hoje na França. Uma das razões apontadas é o fato de ainda existirem combatentes franceses e de muitos deles serem identificados como cidadãos franceses. "Portanto, essa não é uma questão exclusivamente de imigração", destaca.
Essa condição tem dificultado a detecção e o monitoramento por parte das autoridades francesas, já que os indivíduos envolvidos, nacionais franceses, não são diferenciados da população em geral.
No início de julho de 2022, foi organizada uma onda de repatriações da Síria para a França. Um total de 16 mães e 35 crianças, detidas em campos de prisioneiros jihadistas, foram devolvidas ao território francês.
Entre elas, uma mulher foi detida pelas autoridades ao chegar: Émilie König, de 37 anos, foi imediatamente acusada e colocada em prisão preventiva. Ela é suspeita de ter desempenhado um papel ativo no recrutamento de membros do grupo Estado Islâmico na Síria e de ter incitado a prática de atos terroristas no Ocidente.
Agora com 40 anos, apelidada de "o rosto da jihad", ela será julgada nos próximos meses em Paris, após seu indiciamento, em 16 de setembro de 2025, por juízes de investigação antiterrorismo, por ter se juntado à organização Estado Islâmico entre 2013 e 2017 na Síria e por ter participado de sua propaganda.

Além da dificuldade de identificação de nacionais franceses envolvidos nos projetos de propaganda jihadista, "há também, claramente, a possibilidade de mulheres estarem envolvidas em ataques", alerta Mendes. Contudo, devido ao enfraquecimento do Estado Islâmico, o professor acredita que existe uma menor probabilidade de ocorrência de ataques com alto grau de efetividade.
Doutrinação e radicalização
Episódios recentes continuam deixando a polícia francesa em alerta máximo. Em fevereiro de 2025, um ataque com faca em Mulhouse, no leste do país, foi classificado pelo presidente Emmanuel Macron como terrorismo jihadista, evidenciando que a ameaça ainda é concreta.
Um relatório do governo francês, apresentado em maio deste ano, aponta para uma "ameaça muito clara" representada por movimentos islamistas como a Irmandade Muçulmana, que atuariam para reconfigurar a sociedade francesa por meio de influência política e social, especialmente em setores como educação e esportes.
Apesar da queda de seu califado, os devotos do grupo Estado Islâmico, mais dispersos do que nunca, continuam seus esforços de doutrinação, com o objetivo de radicalizar o maior número possível de muçulmanos ao redor do mundo.
Um documento de propaganda publicado na revista Al-Naba em setembro deste ano, que o jornal Le Figaro obteve na íntegra, aponta que o grupo Estado Islâmico conclamou os "muçulmanos monoteístas" a "matar por todos os meios" "cristãos e judeus" na França.
Os jihadistas ainda mantêm canais de discussão em serviços de mensagens criptografadas como o Telegram.
No documento, o EI ainda denunciava os bombardeios israelenses, descrevendo a população palestina como "mártir". O próprio Hamas é criticado, apresentado como um grupo que "traiu a lei divina" ao aceitar negociações políticas com Israel.
Consequências do julgamento dos jihadistas de 13 de novembro
O processo dos atentados terroristas ocorridos na capital francesa em novembro de 2015 durou dez meses. Nenhum dos 20 acusados recorreu da decisão, e o julgamento foi encerrado oficialmente em 12 de julho de 2022, com a decisão do tribunal especial de Paris sem possibilidade de recurso.
O único participante ainda vivo do comando jihadista que organizou os ataques em diferentes locais, Salah Abdeslam, foi condenado à prisão perpétua. A Justiça determinou que o francês, de 32 anos à época, era culpado de ser o "coautor" dos ataques.
Os outros 19 réus, alguns já mortos, foram julgados e condenados a penas que variam de dois anos de detenção até prisão perpétua.
Para o professor de Relações Internacionais Victor Mendes, no entanto, as condenações, ainda que severas, não diminuem a atuação de grupos terroristas.
"Os julgamentos têm que ocorrer, mas o impacto que eles têm para o [grupo] Estado Islâmico como um todo é pequeno, porque os combatentes não têm preocupação em relação, por exemplo, a serem condenados à prisão perpétua. Muitas vezes, inclusive, eles tiram a própria vida no momento dos ataques", acrescenta.
"No terrorismo jihadista, há essa ideia de que é necessário tirar a própria vida, porque eles são de alguma forma prometidos ao paraíso na vida após a morte", continua. "Além disso, eu diria que as penalidades impostas pelo Estado francês, como por exemplo a prisão perpétua, não acabam com o objetivo deles de se colocarem como mártires."
Assim, o especialista não acredita que a resposta, a partir do ordenamento jurídico francês, possa impedir o recrutamento do grupo Estado Islâmico hoje.
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