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Governo Lula precisa diversificar estratégias para atenuar prejuízo do tarifaço, dizem especialistas

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Na montanha-russa em que se transformaram as relações comerciais no mundo sob a canetada de Donald Trump, governo e empresários brasileiros acreditam que a lista de exceções à supertarifa de 50% pode ser esticada, incluindo nela, por exemplo, produtos como o café. Outro cenário possível é o adiamento do início do tarifaço, previsto para 6 de agosto.

Foto de arquivo do 2 de abril de 2025. O presidente dos EUA, Donald Trump, faz comentários sobre tarifas no Salão Rosa da Casa Branca em Washington, D.C., EUA.
Foto de arquivo do 2 de abril de 2025. O presidente dos EUA, Donald Trump, faz comentários sobre tarifas no Salão Rosa da Casa Branca em Washington, D.C., EUA. REUTERS - Carlos Barria
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília   

“Daqui uma semana é possível que você tenha mais alguns produtos avaliados como importantes para a economia deles, como o café. A questão do aço também vai gerar impacto, porque eles têm necessidade de importação. Agora, de Trump podemos esperar tudo. Nesse tipo de negociação que ele faz, tudo é possível, é algo completamente fora de qualquer lógica”, afirmou à RFI Nelson Rocha, presidente da Câmara de Comércio e Indústria do Estado do Rio de Janeiro (Caerj) e diretor da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra).

E se a postura de Donald Trump, ainda que único na imprevisibilidade e no ultraje, for uma tendência mundo afora? 

“Os países estão cada dia mais olhando para dentro de si mesmo, criando barreiras, num processo de desglobalização da economia. E essa é uma situação que pode se espalhar, cada um a sua maneira, seja através do carbono na Europa, seja através de sobretaxas nos Estados Unidos, eventualmente a China com outra ponderação. Eu acredito que nós temos que ter algum planejamento diante dessa perspectiva que se apresenta”, projeta Rocha.

Para o representante da indústria e do comércio, o caminho exige esforço e atuação de governo e empresários. “A melhor coisa é pulverizar para não ficar dependente de um ou outro país e ter clientes espalhados por todos os cantos do planeta, o que leva tempo.”

Nessa quinta-feira, os Estados Unidos elevaram tarifas sobre produtos de dezenas de países. A maior alíquota até aqui continua recaindo sobre o Brasil, ainda que pese quase 700 exceções previstas no decreto presidencial.

“O argumento econômico é muito mais fraco no caso brasileiro e aí entra o ingrediente político, que torna a negociação mais difícil”, comentou à RFI o economista Luccas Saqueto, da GO Associados. O analista disse que o recuo parcial do governo americano, que retirou a taxação extra de parte dos produtos, mostra que, de alguma forma, a visão econômica da questão ainda tem peso, mas defende que o Estado brasileiro tenha em mãos medidas para reduzir o impacto dos setores que não conseguirem escapar da alíquota de 50%.

“Apesar de saber que amanhã a gente pode acordar e ter novidade, o governo brasileiro, junto com o setor exportador, precisa de algum jeito planejar e pensar em medidas como linha de crédito emergencial, com algum tipo de carência e condições razoáveis. Eu faço até a ressalva de que o país está numa situação fiscal muito difícil, mas infelizmente é um momento excepcional, emergencial”, defende Saqueto.

Na noite dessa quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, no Palácio da Alvorada, autoridades como o ministro Alexandre de Moraes, alvo direto das ações de Trump, outros ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet. No cardápio, as tarifas comerciais dos Estados Unidos e a defesa das instituições brasileiras.

Impacto político

A família Bolsonaro, principalmente por meio de declarações de Eduardo Bolsonaro diretamente dos Estados Unidos, deixou evidente que a preocupação primeira deles é salvar a pele do ex-presidente custe ao país o que custar. O analista político Alexandre Bandeira, da ESPM, diz à RFI que isso afeta de forma negativa e direta o clã Bolsonaro, com respingos também em outros nomes da direita, como Tarcísio de Freitas.

“É uma gangorra. Se Bolsonaro, em especial, perde com a crise, Lula melhora sua posição. E, pela primeira vez em três anos e meio de governo, Lula conseguiu furar a bolha e conversar com a população, digamos, menos ideologicamente partidarizada. Um discurso de defesa do Brasil, um discurso também preocupado com o bolso do brasileiro”.

O cientista político, no entanto, diz que o petista terá de mostrar serviço efetivo nessa questão tarifária, para não sofrer o revés na disputa com Trump.

“Logicamente, será imputado ao governo Lula certa responsabilização se não houver a construção de um ambiente de diálogo entre os governos. Enquanto outras nações do mundo estão sentadas à mesa com o governo americano e fazendo as suas renegociações de tarifas, não existe relação diplomática entre o governo Lula e o governo Trump. E a manutenção desse cenário pode ter efeito colateral ruim para o lado brasileiro, depositando no colo do presidente Lula alguma responsabilização pela inoperância”, disse Bandeira.

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