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Brasil foi ‘central’ para psicanalista Thamy Ayouch destrinchar conceito de ‘raça’ em novo livro

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“La race sur le divan” (A raça no divã, em tradução livre), publicado pela editora Anacaona, é o novo livro do psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Paris Cité, Thamy Ayouch. Na obra, ele trata da invenção do conceito de raça e joga luz à questão do racismo estrutural com explicações baseadas na psicanálise e vivências próprias.

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Thamy Ayouch, autor do livro La Race sur le Divan da editora Anacaona, nos estúdios da RFI em Paris.
Thamy Ayouch, autor do livro La Race sur le Divan da editora Anacaona, nos estúdios da RFI em Paris. © RFI
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Thamy nasceu no Marrocos, onde viveu até os 18 anos. Em seguida morou na França, Inglaterra, Espanha, Argentina e Brasil, o que, segundo ele, lhe “deu a possibilidade de ver muitos âmbitos sociais e políticos diferentes”. Mas a vivência do psicanalista em São Paulo foi a mais determinante. “O que foi absolutamente central nas minhas experiências foi morar no Brasil, onde fui professor visitante estrangeiro na USP (Universidade de São Paulo) durante cinco anos”, conta. 

O pesquisador, que estudou “literatura inglesa, filosofia e logo depois a psicanálise e psicologia”, revela que transitar em vários lugares ajudou “a entender que raça é uma coisa absolutamente relativa”.  Ele ressalta a frase conceito de “La race sur le divan”: a raça não existe. 

Conceito criado para explorar outros corpos

O psicanalista explica que a raça não é biológica, mas sim uma impostura científica inventada a partir do século 17 para hierarquizar as populações para justificar a distribuição social do trabalho e a exploração de mão de obra. 

“Não existem as raças, porém, a raça tem efeitos sociais e psíquicos. O mundo no qual vivemos hoje em dia é diretamente herdado da modernidade colonial, como dizem os teóricos e teóricas decoloniais, ou seja, a partir do final do século 16, com a invasão das Américas. E com uma hierarquização das populações para justificar uma distribuição do trabalho e essa exploração dos corpos, os massacres, a escravidão, etc.”, sublinha. 

Thamy evidencia que “o fato de ter vivido em vários lugares no mundo” o ajudou a sentir na pele a relação mutável do conceito de raça criado no contexto sociopolítico e cultural. “E eu vivi isso precisamente no meu próprio corpo, na minha própria carne, na minha própria racialização”, disse ele ao descrever, por exemplo, que no Marrocos é considerado branco, enquanto na França não, onde inclusive é tratado de forma desigual administrativamente, apesar de sua escolarização cultural francesa.

Em outro exemplo, o psicanalista observa suas experiências na América do Sul. Enquanto no Brasil ele era considerado branco, já na Argentina a sua pele o determinava "racializado", explicando assim a relativização relacional do conceito de raça.

Autores e autoras brasileiras na vanguarda 

Thamy Ayouch cita e valoriza em sua obra recém-lançada o nome de vários brasileiros, mas, principalmente, autoras da causa feminista negra como a ativista Leila González, a psicanalista Neusa Santos Souza, a psicóloga Cida Bento, Izildinha Batista, uma das primeiras autoras a associar psicanálise e raça e, da geração mais atual do ativismo, a filósofa Djamila Ribeiro

“Eu tenho que dizer que quase aprendi tudo com autores brasileiros e brasileiras nesse assunto. De forma mais específica, eu acho que hoje em dia o Brasil está na vanguarda de todas as pesquisas sobre raça e psicanálise, sobre a colonialidade e psicanálise. Ou seja, o Brasil está fervendo com uma efervescência absolutamente formidável”, avalia. 

O professor comenta a importância do movimento afrofeminista no Brasil, atualmente com o destaque de Djamila Ribeiro, que segundo ele descentraliza e desuniversaliza o saber “dando voz e posicionamento aos que sempre ficavam sem voz". 

A raça no divã em português e espanhol 

No dia 22 de outubro, o Thamy Ayouch foi convidado de uma mesa na livraria Le Monte-en-l’air , no centro de Paris (mais informações no Instagram @thamyayouch) onde debateu a pergunta primordial de seu livro: como afinal podemos escutar a raça no divã?  

Questão que para ele envolve remover diversas camadas de preconceitos inerentes desde o eurocentrismo aos conceitos sociais vigentes há séculos: “O desafio é precisamente se descentrar de uma escuta habitual, maioritária, que não deixa de ser branca, sobretudo”, conclui Thamy. 

Thamy Ayouch é atualmente professor na Université Paris-Cité.
Thamy Ayouch é atualmente professor na Université Paris-Cité. © RFI

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